14/05/2010

Amores Líquidos


Fui amada liquidamente. Quem já não foi? Mas eu não sou de amores líquidos. Não sou simplesmente uma “colecionadora” de experiências, pois amadureço meus sentimentos e planos, apesar de conseguir separar tudo isso de vivências frívolas que eventualmente preenchem meu tempo. Sou de amores quase eternos, que muitas vezes se convertem da paixão à amizade ou do ódio à compaixão. Só não consigo sentir nada - sempre me posiciono em relação às pessoas com quem convivo. Me ame ou me odeie, mas não me ignore.

Hoje ouvi que a geração dos anos 80 em diante sofre desse mal: dos amores líquidos. Eu diria que isso começou em 1979, mas soaria uma perseguição pessoal com este ano (e de fato é). Mas decidi experimentar a carapuça e aprofundar minha opinião sobre este assunto. E quando procurei no Google do que se tratava a “Geração Y”, também mencionada no evento do qual participei, encontrei a seguinte definição:

“A Geração Y, também referida como Geração Millennials ou Geração da Internet é um conceito em Sociologia que se refere, segundo alguns autores, à coorte dos nascidos após 1980 e, segundo outros, de meados da década de 1970 até meados da década de 1990, sendo sucedida pela Geração Z. Esta geração desenvolveu-se numa época de grandes avanços tecnológicos e prosperidade econômica. Os seus pais, não querendo repetir o abandono das gerações anteriores, encheram-os de presentes, atenções e atividades, fomentando a sua auto-estima. Cresceram vivendo em ação, estimulados por atividades, fazendo tarefas múltiplas. Acostumados a conseguirem o que querem, não se sujeitam às tarefas subalternas de início de carreira e lutam por salários ambiciosos desde cedo. Enquanto grupo crescente, tem se tornado o público-alvo do consumo de novos serviços e na difusão de novas tecnologias. As empresas desses segmentos visam atender esta nova geração de consumidores que se constitui um público exigente e ávido por inovações. Preocupados com o meio ambiente e causas sociais, essa nova geração tem um ponto de vista diferente das gerações anteriores que viveram épocas de guerras e desemprego, com o mundo praticamente estável e mais comodo a liberdade de expressão, esses jovens conseguiram se preocupar com valores esquecidos como vida pessoal, bem-estar e enriquecimento pessoal.”

Como estes dois conceitos se ligam é algo que pode mudar sua percepção de si mesmo, para o bem ou para o mal. Afinal, até profissionalmente muitos vivem hoje “amores líquidos”. Caso se interessem pela polêmica envolvida, acessem: http://www.digestivocultural.com/ensaios/ensaio.asp?codigo=123. O sociólogo polonês Zigmunt Bauman define esse "mal" que ronda as últimas gerações e uma “neura social” cujo fim não se pode prever. Citando um trecho da autora Gioconda Bordon, “a noção de liquidez, quando se refere às relações humanas, tem um sentido inverso ao empregado nas relações bancárias, a disponibilidade de recursos financeiros. A liquidez de quem tem uma conta polpuda no banco, acessível a partir de um comando eletrônico é capaz de tornar qualquer desejo uma realidade concreta. É um atributo potencializador. O amor líquido, ao contrário, é a sensação de bolsos vazios.” Essa liquidez, decorrente de um contexto social e tecnológico que revolucionou nossos relacionamentos, também invadiu nossas escolhas profissionais nos últimos anos. Entretanto, descobri que realmente sou fiel e que não perdi a coragem de recuar, pois voltei ao emprego com o qual eu realmente me identificava e onde ainda estou.

Amar liquidamente pode ser apenas mais um modelo de solidão imposto pelos nossos tempos modernos. Entretanto, volto aos questionamentos que cada um precisa responder para saber qual é a melhor estratégia de vida no seu caso: Antes só do que mal acompanhado? Não se prenda a uma empresa que não se prende a você? Arriscar pode trazer uma opção melhor? É melhor um “contentar-se descontente”? A única resposta plausível é que não existe fórmula mágica.

Você pode aprender a amar liquidamente para se decepcionar menos com as pessoas, especialmente enquanto ainda estiver dolorido. Você pode amar liquidamente para se arriscar profissionalmente, caso ainda não tenha se encontrado no mercado de trabalho. Entretanto, você não pode amar liquidamente sua família, seus amigos, seus planos de vida. Não se perca na tentação de viver em círculos vazios que não te trazem pressão, pois a qualquer momento, você vai precisar de um porto seguro.

Eu sei que meus amigos vão esbravejar por mais uma postagem gigantesca, mas não resisto aos links possíveis a este tema. O livro “Amores Risíveis”, uma das obras de Milan Kundera. Lembro-me deste livro na estante da casa da minha mãe, empoeirado e proibido para a minha cabeça ainda infantil. Quando consultamos a simbologia desta obra, encontramos uma definição que consolida esse tema: “O risível é a necessidade humana pela farsa, pela simulação, pela representação teatral e a incapacidade de experimentar sentimentos verdadeiros. Através da incapacidade de comunhão dos personagens, Kundera parece querer desvelar para o leitor a absoluta falta de sentido da vida sob essas condições. É a velha temática da solidão humana, sua impossibilidade de transposição dos limites da subjetividade.”

Não sou de amores líquidos. Acredito nas relações humanas, apesar de compreender claramente as possíveis falhas às quais todos estamos sujeitos. Não acredito em pessoas perfeitas, em sentimentos sempre infalíveis, mas ainda assim tenho absoluta certeza de que não somos nada sem o próximo. O próximo nos define emocionalmente, territorialmente e especialmente como “gente de carne e osso”. Afinal, nossos sentimentos são respostas, reflexos ou impulsos que adotamos diante daquilo que o próximo causa em nossos nervos, neurônios e corações. Doar-se (sem perder a singularidade) quando valer a pena é um ato de coragem, uma escolha com riscos, mas ainda é a melhor forma de encontrar-se no seu destino.

(Depois da enxaqueca, a insônia...)

3 comentários:

  1. mto bom!! interessante citar kundera..

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  2. Amar liquidamente... o perigo está quando por medo de mais decepções criamos esse tipo de couraça. Mas como vc mesma disse em outro post Carol , viver na superficialidade pode ser bom quando se é jovem, mas o tempo passa e as chances também, e talvez pode ser tarde demais para dar valor a seus relacionamentos que foram tratados de maneira tão fútil. Portanto, apesar de todos os riscos,acredito que posicionar-se ainda vale a pena.

    “ Sei que amores imperfeitos,são as flores da estação.”
    Skank – Amores imperfeitos

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  3. Apenas pra registrar que o texto mereceu publicação no blog do meu querido teacher... http://rsouza.blogspot.com/2010/05/texto-muito-sensivel-que-recebi-de-uma.html

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