16/08/2011

De Artigas a Vilaró

Se recebemos limões, temos duas opções: limonada ou caipirinha. Só não fique azedo se o destino te prega peças e te impede em alguns momentos de viver plenamente, segundo seus planos. Você pode ficar de fora do vôo, pode não ter teto pra pousar, mas vale a pena ver pelo lado positivo: você tem mais uma cidade na sua rota. Exerce seu direito como cidadã, espera muito tempo por um boletim de ocorrência, mas no final, curte o jantar, tem uma boa noite de sono e no dia seguinte ainda consegue um tempo para fazer uma visita guiada por Porto Alegre.
Dia 01:
Assim começou nossa viagem. Sentindo o vento frio do sul do país chegar do Rio Guaíba, capaz de congelar o nariz e embaraçar qualquer cabelo. Valeu a pena rodar pela capital do Rio Grande do Sul conhecendo seus pontos importantes. Porto Alegre tem prédios incríveis e uma praça que nos prometemos ainda voltar lá. Um conjunto arquitetônico maravilhoso, composto pela catedral, o Palácio do Governo, o Palácio da Justiça, etc. Mas que pena ver a situação da universidade federal, abandonada, mal conservada e em período de greve.
Logo depois do almoço e um chocolate cremoso (conhecem “xindongue”?), uma nova tentativa rumo a Montevidéu. Chegamos ao final da tarde, fizemos o check-in num hotel 3 estrelas que era bem razoável pelo preço que pagamos antecipadamente (Los Angeles). Sem frescuras, um prédio bem antigo na Avenida 18 de Julho, região comercial da Cidade Velha. Decoração dos tempos de colônia, como se estivéssemos congelados nos remotos dias de fundação da cidade. Frio de 13 graus, muito vento e ainda assim ânimo pra rodar a Praça da Independência. Estamos no ano do bicentenário do Uruguai (2011) e isso só corrobora nossa opinião: como pode uma cidade parecer ser muito mais antiga, mesmo sendo tão jovem? Envelhecimento precoce?
O velho hotel que representa a região central da “Ciudad Veja” contra o sol naquele fim de tarde era um grande golpe de sorte, já que no ano passado encontrei a cidade num dia nublado e chuvoso. Artigas representado em monumento, imponente e solitário em seu cavalo. O prédio da Presidência da República em estilo moderno, conflitando com a arquitetura local e criando o contraste típico dos modelos de governo sul-americanos em relação ao seu passado. É uma praça bonita e neste dia, parecia desabitada. Nunca vi um ponto turístico tão vazio, mas isso não impediu que um “papagaio de pirata” ainda assim participasse com convite de uma foto minha com o hotel ao fundo.
Andamos até a Rambla, avenida “beira-rio” que delineia toda a cidade. A magnitude do Rio da Prata em ondas, como se fosse um verdadeiro mar. Afinal, o Uruguai deve sua razão de existir a Solís, descobridor deste rio que se transformou em riqueza nos tempos do comércio entre impérios. Uruguai que já foi território brasileiro! Mas que tem uma capital construída no estilo de Buenos Aires. Belas construções, por sinal, que estão abandonadas e que se deterioram com o passar do tempo... História que se perde por falta de incentivo e atenção por parte do seu governo, que não foi bem julgado pelo nosso amigo taxista. Paramos numa confeitaria e, claro, eu pedi uma medialuna (nosso “croassaint”, porém melhor), enquanto minha amiga Renata pediu um tipo de brioche com o famoso doce de leite uruguaio.
Rumo ao hotel naquele sábado congelante, passamos por várias bancas de comerciantes e pelas vitrines das lojas da Avenida 18 de Julho, que é referência pelo seu comércio. Mas um aviso aos navegantes: nenhum preço milagroso, nenhum produto diferenciado. Não ande por lá esperando comprar tudo pela metade do preço nas lojas que mais lembram o centro de Belo Horizonte. Os vendedores de rua podem até oferecer luvas, toucas e cumbucas de chimarrão a um bom preço, mas pára por aí o consumismo. Aliás, o mate faz sucesso por lá como eu nunca tinha visto! Lembre-se que na atual conjuntura, um real equivale a dez pesos uruguaios. Trocar a moeda nas casas de câmbio do Uruguai atualmente é melhor opção do que trocar no Brasil.
À noite retornamos à Praça da Independência e descobrimos um beco em frente ao Teatro Solís. Encontramos uma tradicional “parrilla” e não hesitamos. Era hora de comer dignamente depois de tanto caminhar. Frio de 9 graus de endurecer as canelas, mas a calefação é mesmo um recurso fundamental nessas horas. Pedimos um cabernet sauvingnon uruguaio, da marca Don Pascual, e me surpreendi. Como gosto de vinhos brancos e leves (especialmente frisantes), finalmente provei um cabernet que não me deixa com a língua azeda (coisa típica de quem não entende de vinhos e reclama de barriga cheia). Pedimos o “bife ancho”, segundo Renata, um patrimônio imaterial do Uruguai, assim como o pão de queijo em Minas. De sobremesa, creme brullé, uma dessas frescuras feitas com ovo, leite e sei lá mais o quê. Alma aquecida, fome satisfeita e riso frouxo. Hora de voltar para o hotel. Aliás, o taxi é mesmo muito barato. Já no hotel, uma tentativa de uma cambalhota no corredor, algumas fotos pitorescas no sofá que também deve estar fazendo 200 anos. E um sono merecido!
Dia 02:
Acordamos cedo, empolgadas com os planos para o dia. Como perdemos o primeiro dia de viagem, desistimos da ida à Colônia de Sacramento, cidade histórica uruguaia. Optamos por ir à Casa Pueblo, rumo a Punta Del Leste. Tomamos um taxi para o terminal Tres Cruxes e de lá um ônibus convencional rumo a Puertozuelo. Passamos por um nevoeiro interminável, que só se dissipou quando nos aproximamos da região costeira. Descemos na rodovia mesmo. O trocador balbuciou algumas instruções e só entendi que precisávamos descer. Encontramos uma placa e seguimos por uma estrada... Avistamos Punta Del Leste depois de muito caminhar... Passamos por um condomínio de bonitas casas (mansões que devem bombar no verão) e muito tempo depois chegamos à entrada da Casa Pueblo.
Visitamos o museu da Casa Pueblo, na Punta Ballena, recinto dedicado às obras de Carlos Vilaró, uruguaio que valoriza o sol de sua bandeira em muitas obras de sua coleção. Muitas cores, formas geométricas lembrando Romero Britto. Muitas referências a Van Gogh e Picasso. Mas o que impressiona mesmo é a construção em si, toda pintada de um branco intocável. Formas arredondas intercaladas por extremidades pontiagudas, cravadas na montanha à beira-mar. Você praticamente se imagina nas construções brancas que também existem na Grécia, Santtorini, países árabes, etc. É intimidante... Ficaria com medo se eu ainda por cima conseguisse avistar baleias dali naquela época do ano, razão do nome daquela ponta de terra em direção ao mar.
A Casa Pueblo ganhou mais espaço com a construção do hotel de luxo ao seu redor, seguindo o mesmo modelo arquitetônico. A estrutura como um todo tem uma proporção que não se percebe olhando pela varanda do museu. Renata recebeu a dica de uma amiga sobre o restaurante do hotel e corremos até lá. Éramos só nós duas tomando um elevador no rumo contrário: descendo 9 andares referentes ao espaço do hotel incrustado na montanha. Quando chegamos ao restaurante, nos deparamos com uma vista magnífica que ainda assim deve equivaler a 1/5 do conjunto arquitetônico completo. O vento cortante não nos impediu de fazermos várias fotos do lugar. Almocei um belo peixe local com um purê de batata meio sem tempero. Renata pediu uma massa com queijo gruyere. Não é barato, mas vale a pena. Era hora de voltar, refazer o percurso e tomar o ônibus de volta à capital uruguaia. Esses momentos de deslocamento eram nossa oportunidade de algum descanso.
Já em Montevidéu, mais uma caminhada longa pelos trechos da Avenida 18 de Julho que ainda não havíamos passado. Bonitos prédios e manifestações populares em plena atividade. Ainda não sei dizer como, mas tenho mesmo um carma com essas manifestações... Aconteceu a mesma coisa na Argentina! Caminhamos até uma lanchonete, mas não tínhamos fome o suficiente pra encarar um “chivito”, que é o nome dado aos hambúrgueres uruguaios. Adivinhem o que comi? Medialuna! E Renata encarou uma panqueca adivinha de que? Doce de leite! Fomos para o hotel e nem conseguimos sair à noite. Planejávamos um jantar no restaurante do Teatro Solís, mas estávamos exaustas.
Dia 03:
Madrugamos pra aproveitar a manhã que nos restava. O café da manhã do hotel era bem esquisito e já sabíamos que precisaríamos de um lanche intermediário. Fomos direto para a Rambla, na altura do Museu Zoológico e Oceanográfico na Playa Del Buceo. Como pode ventar tanto numa cidade, ao ponto de transformar o rio em um mar de altas ondas? Gaivotas e pombos disputavam a areia e as pedras da praia. O museu infelizmente estava fechado, mas sua arquitetura exótica valia a pena. Ano passado eu achei que era uma mesquita. Só conseguimos avistar o esqueleto de uma girafa pela porta e de lá caminhamos pela Rambla até um bondoso taxista finalmente nos resgatar.
Rumo ao Mercado Del Puerto, ouvimos mais histórias. Fato é que ficamos amigas de todos os taxistas, extraindo deles a percepção popular que não consta nos guias de viagem. Passamos pelo porto e reconheci o prédio que avistei ano passado ao descer do ferryboat (Buquebus). O mercado ainda estava fechado, preparando-se para receber as pessoas no horário do almoço. É basicamente um espaço gastronômico, com poucas opções de souvenirs e artesanato. Mas traduz completamente a tradição uruguaia quanto aos cortes de carnes, parrillas, vinhos e gula. Encontramos uma lanchonete com as tradicionais empanadas. Nome: “Empanadas Carolina”. Foto, claro. Completamos nosso café da manhã e fomos caminhar pelo bairro.
A região do porto também abriga das instituições financeiras da capital. Muitos bancos, muitos órgãos financeiros e prédios muito antigos. Volto a falar: se Montevidéu estivesse preservada, seria de uma beleza espantosa. O destino nos levou a belas igrejas e prédios com grandes colunas em estilo greco-romano. Monumentos, algumas cantadas dos uruguaios portuários e muitas galerias de arte. Podíamos passar horas entrando em cada uma delas, se soubéssemos disso antes! Voltamos ao mercado e optamos por nos sentarmos na Cabana Verônica, com uma enorme referência ao sol de Vilaró. Experimentamos o vinho Tannat, que só existe nesta região e em alguns trechos da França. Optamos novamente pelo Dom Pascual. Forte, e eu diria ainda: ele é primo do nosso vinho Chapinha! Vale a pena experimentar.
Era hora de partir. Já estávamos dentro do prazo limite para retornarmos ao hotel e buscarmos nossas malas. É importante lembrar que os taxis pretos e amarelos são muito mais baratos do que os brancos e na volta pro aeroporto confirmamos isso: metade do valor que gastamos na chegada. No aeroporto, um Free Shop de dar medo. Segurem os bolsos, porque o que você não gastou nas andanças, pode evaporar nesse momento! De volta pra casa, de volta ao mundo real. Mais uma máscara na parede, mais três ímãs na geladeira e muitas fotos pra contar o que vi com meus próprios olhos...
Fotos no próximo post...
 

09/08/2011

Antes de Partir

Estou naquele instantezinho do tempo em que me sinto dividida quanto à espera: é bom ter o que esperar, é bom saber que um dia vai estar lá, mesmo que isso te roube o sono e te deixe ansiosa. Vivo de esperas, e talvez eu sempre espere muito, especialmente de mim mesma. Quero passos largos, quero planos a curto ou longo prazo. Não é à toa que tenho uma lista do que ainda quero fazer...


Hoje estou beirando meus 29. Aos 16, que se não me engano foram ontem, eu fazia planos para o que sou hoje. Agora faço planos para minha terceira década. “Haja hoje para tanto ontem”, frase supostamente roubada de Leminski. Estamos em agosto, aquele bendito mês em que o vento uiva, os ipês florescem e se vão, quando eu descubro que tenho menos um ano para cumprir tantos planos. Por mais alvissareira que minha vida seja, será que vou realizar tudo que pretendo?


Não interessa. Esperar, fazer as malas, me permitir idas e vindas – isso me move, isso me mantém de pé. Disse Clarice Lispector hoje, através do seu correio eletrônico direto do céu: “Que medo alegre, o de te esperar”... A expectativa de romper distâncias enormes, de estar num túnel do tempo e do espaço, como se não houvesse limites quando se tem um bom propósito. Mas diriam os outros: “de bons propósitos o inferno está cheio”...


Propósitos estes que provavelmente só eu entendo, pois só cabem ao meu coração. Mas se for necessário encarar o outro lado da esfera sozinha, que assim seja. Desde que eu sempre atravesse os meridianos com a sensação de sonho realizado. Sonhos estes que encorpam um único desejo: o de ver tudo com meus próprios olhos.


Quero muito ir, sempre ir, e de vez em quando voltar. Voltar quando a saudade for sincera, quando o cansaço bater, quando eu descobrir que pertenço (ou não) àquele lugar. Sacrifícios são feitos, mas tornam-se irrisórios quando mensuramos o impacto do trajeto percorrido em nossas modestas almas. Não que quem vá que volte do mesmo jeito que foi.