Saber contar a própria história sem deixar que a narrativa te transforme em um mero aglomerado de fatos, vazios de experiência e motivação. Eis um grande desafio a todos aqueles que tentam se explicar, narrando suas vidas como se uma biografia autorizada fosse o melhor mecanismo de entender a si próprio. Pensando sobre isso, entendi por que "As Aventuras de Pi", além de falar sobre fé, me deixou tão emocionada, assim como eu já havia sentido antes com "Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas". O que eles têm em comum? A capacidade de transformar a vida em "sentido", propriamente dito, provida daquilo que efetivamente chamamos de "experiência".
As duas histórias nos levam à reflexão de como nos perdemos diariamente nas "pequenices" da vida, ao invés de nos deixarmos levar pela magia do "todo", do que conquistamos ao longo do tempo, do quanto mudamos ao longo dos anos, da pessoa em que nos transformamos à medida em que acumulamos cada vivência peculiar, por mais simplória que nos pareça. E daí, como seres únicos, inigualáveis, nos perdemos como se fôssemos qualquer um, robotizados, deixando de pensar na nossa própria versão da história... Esquecemos que está em nossas mãos mostrar a nossa história com o que ela tem de melhor: a nossa versão.
E para criar a nossa versão, precisamos também aprender a interpretar a nossa vida com olhos diferentes. Precisamos ter compaixão por nós mesmos, entender as fraquezas entranhadas e os erros que cometemos. Precisamos aceitar o passado imutável e os riscos do futuro, compreendendo que a vida não está sob nosso controle todo o tempo. E alimentando a compaixão, um sentimento que budistas e outras religiões entendem plenamente como aceitável e benéfico, você pode se perdoar por não ser perfeito, e interpretar a sua história como uma aventura, que exigiu coragem e esforço. Você passa a ser Pi, num barco, lutando contra o tigre, mesmo que ele seja apenas um reflexo de você mesmo, ou um motivo para te manter vivo. E você pode ser uma lenda vida, que ajudou várias pessoas ao longo da vida sem notar, mas só se gabar por ser também o misterioso peixe grande. Você pode não ser uma lenda mundial, não ser um super-herói do cinema, mas pode sentir orgulho do que conquistou e das lutas que venceu.
A questão é: faz mais sentido para toda a humanidade aprender sobre a fé através das palavras da Bíblia, do Alcorão, ou de qualquer livro sagrado que seja, ou simplesmente ouvir uma narrativa científica explicando um milagre sobre a cura de alguém pelas orações daqueles que acreditam? A verdade é que para crer, as pessoas precisam da vida transformada em "sentido", da "experiência" transformada em sentimento. E daí percebi que Ed Bloom, o peixe grande, é como minha mãe: um mito, às vezes o anti-herói, que sempre me sacoleja mostrando que a gente precisa ver a vida de outro ângulo... e às vezes vivendo num mundo paralelo que tanto critico - mas será que é tão ruim assim? E mais: percebi que sou Pi, dentro daquele barco, brigando com um lado meu para entender os meus conceitos de fé - no divino e nas pessoas. Se essas histórias fossem narradas de outra forma, talvez eu não conseguisse entender tudo isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário