Era uma vez uma menina, com seus sonhos, sonhados todos os dias de sua infância. De uma querência sem igual, que só o Seu Guimarães, o Rosa, entenderia. Sem pestanejar, sem duvidar, sabia o que queria para seu futuro: tudo que não era o que tinha. E com o tempo, remando contra a maré, a ressaca e até a piracema, ela um dia chegou lá, mesmo que não fosse como no seu mundo sonhado infinito. De que adiantava a querência, se nenhuma escolha era exata e precisa?
Adiantava, mesmo que essa adiantância não fosse exatamente o que se esperava do seu destinamento percebido como finito. Ralava o calcanhar dias a fio, para depois descobrir que seu destino não era aquele sonhado, e parecia mais um pão dormido: duro, destinado a ser ralado. Destino ralado. Ela, que via estrelas no céu e sempre esperava por algo mágico que dali viesse, terminou por descobrir que tinha uma força de piaba diante do rio da vida. "Tem dia que não é fácil, menina" - dizia seu conscienciamento inquieto.
Mas nem tudo era farelo, e quando em vez a vida lhe era misteriosamente boa. Com uma pitada de surpresa, de repentismo, descobria um sabor novo, mesmo que desconfigurado do plano inicial. Era essa a fórmula: achar que os tombos tinham mais cara de desajustes e que as coisas normalmente são simples, sem grandes momentos cinematosísticos. Só era difícil de engolir, porque a garganta travava.
E nesse passo, trocando às vezes gato por lebre, engolindo sapos sem gosto de rã frita, a vida toma sua rumância, discordância e petulância em pessoa. Não há o que fazer quando você não é pitoresca como aquela Amelie, e nem tem o poder de fazer o mundo e as pessoas encorpadas de pessimismo mudarem. Você rema, rema, e quando nota, já não é um barco e está em trilhos inexatos, mas totalmente seus. Pois a vida é essa coisa, desrregulada.
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