19/08/2010

Inhotim por Lispector

Aqui estou para citar Clarice onde senti arte. Quando ali estive pela primeira vez, defini uma seqüência de fatos. Não foi fácil voltar, pelo contrário. Um ritual de passagem, como os índios que colocam as mãos em cumbucas de vespas. Foi uma atitude para mudar a lembrança anterior. Aqueles jardins verdejantes, aqueles lagos que refletem nuvens, galerias que moldam qualquer ser humano ao adentrar por portas rotatórias sem fim. Passar por tudo isso de novo, criando um novo contexto.

E Clarice bem ali, sem notar. “Lispectoriando” todo o caminho, ao lado de bons amigos. Novas imagens, novas palavras. Aqui Clarice estará em parênteses, uma vez que suas citações são pertinentes aos meus sentimentos naquele lugar. “Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra sempre.” Todos estes dias Clarice mostrou que sabe mais de mim do que eu mesma.
Quem dera todos pudessem vivenciar cada percepção permitida por aquele lugar. O Inhotim (http://www.inhotim.org.br/) é mais do que um museu de arte contemporânea e um conjunto de belos jardins concretizados por Burle Marx. É sentir-se ser humano através de obras que permitem inúmeras leituras, ou até mesmo analfabetismos quando não nos identificamos com a realidade ali criada. “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.”

Entretanto, além do verde inebriante, nada se compara ao efeito que os sons têm sobre mim naquele lugar. As galerias que fazem meu coração parar são aquelas que escapam aos olhos. O que mais diz sobre mim ali não se expressa em nada concreto, mas é ondas invisíveis e ritmadas. Além do coral posicionado por timbres, uma a orquestra que ambienta o cenário de um filme de terror. Corvos assombrando meus temores mais íntimos, tornando-me mínima, frágil e insignificante. Eis que penso, feito Clarice: "Cuide-se como se você fosse de ouro, ponha-se você mesmo de vez em quando numa redoma e poupe-se." Olhos molhados, mas sem vazamentos perceptíveis.

“É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo.” Se não fossem meus amigos, teria ali sucumbido às velhas lembranças, mas eis que assim é a vida: você pode reconstruir todo um mundo em segundos, desde que tente, se esforce e se permita. “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome”.

O “inhotinhês” poderia mudar um mundo. Estranho ainda mais pensar que tanta beleza e grandiosidade se escondem, completamente deslocadas diante da realidade que ronda uma imensidão de expressões da diversidade humana. “Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro.” Enquanto a redoma de vidro espelhado esconde um trator fora de estrada carregando uma árvore de plástico, você se depara com a mesma obra fazendo parte de um cenário sobre orixás que horroriza, atordoa e leva a debates sobre o que realmente é arte. Eis que dou o braço a torcer para meu amigo: fato – a arte é relativa.

Mas... “Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada.” Talvez seja esse o grande desafio de criar arte, independente do conceito que norteie o desabafo humano. Pois a arte nada mais é do que uma forma de cuspir marimbondos, de eternizar idéias e ideais, de levar o outro a pensar - mesmo que jamais o conheça. É reduzir qualquer limitação geográfica que impeça um pensamento.

Afinal, quem não gostaria de ser eternizado, mesmo que não seja um artista, um escritor, uma pessoa incomum? O que sentimos quando notamos que nossos descendentes não perpetuarão nossas obras e vontades? O que sentimos ao pensar que nossas lembranças, fotos, escritos e desejos serão simplesmente esquecidos quando partirmos desta vida? Quem não tem medo do tempo e da finitude? “À duração da minha existência dou uma significação oculta que me ultrapassa. Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios.”

Somos todos tão iguais em nossas diferenças! Por mais que nos expressemos de formas diferentes, sofremos das mesmas dores e corremos os mesmos riscos. Buscamos a felicidade a cada instante, até que notemos que primeiro precisamos simplesmente estar em paz com nossos pensamentos. Sem corvos rondando a mente... Nada mais justo do que permitir que todos conheçam o mundo e a si mesmos. “Que minha solidão me sirva de companhia, que eu tenha a coragem de me enfrentar, que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.”

Manual de Cambalhota...


Quantos sois vós?

Eis o espelho da sua mente...

Verde que quero ver-te!

09/08/2010

A Origem


Estou provavelmente no segundo nível dos meus sonhos. Provavelmente já ultrapassei a primeira camada e agora estou numa nova transposição, um sonho dentro de um sonho. Tudo ao meu redor é inesperado, com um toque de labirinto, mas com um Q de desafio. Não sei dizer com exatidão como fui capaz de percorrer estes caminhos, como se a seqüência dos fatos me parecesse impossível se fosse planejada. Cada milímetro que percorro hoje é completamente diferente do que rondava minhas pretensões.

Não acredito que eu esteja conectada em alguma máquina num outro mundo, compartilhando de um sedativo que me mantém presa em uma realidade criada pelo meu subconsciente. Mas tamanha engenhosidade do destino não poderia ser somente pensada por um ser naturalmente humano? E não seria mais óbvio este ser humano ser eu mesma, a própria arquiteta da minha realidade? Mas quem disse que eu iria desenhar o mundo assim, do jeito que é?

Quando assisti “A Origem”, não busquei o galã de Titanic, nem a adolescente grávida de Juno, mas vi a lei da gravidade se distorcer. Não esperei muito, muito menos um filme monótono, simplório e previsível. Mas daí a sair de lá com a mesma sensação de “Matrix”, é bem diferente! Nunca imaginei que essa idéia se repetiria novamente dentro da minha cabeça, cheia de neblinas e trovões. O eterno questionamento sobre vivermos numa realidade ilusória, que beira à nossa compreensão de fé e da existência de um possível paraíso do lado de lá, onde talvez tudo seja feito de um suposto composto real.

Quisera eu entender 0,1% da mente humana, talvez para simplesmente encontrar a razão nos fatos. Quisera eu ter certeza de que eu sou dona do meu destino, mesmo quando tudo parece conspirar rumo a um futuro que eu não esperancei. Porém, continuamente, passo a passo, tenho certeza de que por mais que eu me esforce, por mais que eu defina a minha existência em uma vida previsível, nada está em minhas mãos, como se eu fizesse parte daquele velho tabuleiro da vida, que talvez Lya Luft tenha descrito com maior delicadeza em “As Parceiras”. Somos peões, meros peões, assim me sinto hoje.

E o que fazer para retomar as rédeas da vida que se origina em nossos íntimos sonhos, elaborados religiosamente a cada noite mal adormecida? Como recobrar os sentidos entorpecidos por uma realidade que nos empurra, sem nos dar tempo para refletir se estamos no caminho certo ou no caminho que um dia projetamos como nosso futuro encantado? Não tenho solução, não espere por uma resposta milagrosa. “Eu sempre quis compreender: porque não entendo, escrevo. Como jamais entenderei, até o fim da vida tentarei expressar em palavras, linhas e entrelinhas, essa inquietação”. Lya Luft, “Em Outras Palavras”.

08/08/2010

Meu Deus, me dê coragem...

Clarice Lispector
(Ucrânia, 1925 - Brasil, 1977)

Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios da tua presença
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude

Faça com que eu seja a tua amante humilde
entrelaçada a ti em êxtase
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala
Faça com que eu tenha a coragem de te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo
Faça com que a solidão não me destrua
Faça com que minha solidão
me sirva de companhia

Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo
Receba em teus braços o meu pecado de pensar

05/08/2010

Off

Estou no meu inferno astral. Por isso prefiro não escrever muito, pois estou num momento suspeito. Ontem consegui rasgar algumas fotos, me desfazer de um velho álbum, um desapego quase assustador. Não estou no meu melhor humor, muito menos com paciência extra. Estou ácida, o suficiente para ganhar uma fama que não é minha. Euzinha, má? Um genocídio generalizado, dos meus peixes a seres humanos. O que há de errado com aquela água? Agora só restam as fêmeas, o último macho morreu ontem. Seria uma péssima bióloga, pois não aceito não saber a causa de todas as coisas... Ipês amarelos anunciam a fase que sempre é difícil.

Agosto, como sempre, Agosto.