24/02/2011

Saudade, Noronha!

Hoje senti saudades de um Fernando, mas esse é de Noronha.


“Considera-se como data oficial do descobrimento de Fernando de Noronha o dia 10 de agosto de 1503, a partir dos registros documentais existentes do navegador e escritor Florentino Américo Vespúcio, que comandava uma das embarcações de uma frota de 6 navios da expedição. Em 1505/1506, Vespúcio descreve a ilhas e relata o acidente ocorrido com Nau-capitânia, comandada por Gonçalo Coelho, que afundou próximo ao arquipélago. A ilha, ao ter sido descoberta pelo reino de Portugal, foi designada de Ilha de São João da Quaresma, provavelmente por Gaspar de Lemos, em 1500, ou por uma expedição da qual Duarte Leite erroneamente terá atribuído o comando a Fernão de Noronha, realizada em 15011502. Porém o primeiro a descrevê-la foi de fato Américo Vespúcio. O fato de já ser chamada Ilha de Fernão de Noronha por Frei Vicente do Salvador, tal como hoje é conhecida, está justificado por provir do nome do primeiro proprietário da capitania hereditária, Fernão de Noronha ou Fernão de Loronha, após doação de D. Manuel I em 16 de fevereiro de 1504.”

Estive em Noronha em 2005. Viajei sozinha, sabendo que meu padrinho de mergulho estaria por lá. Fiz dois companheiros de viagem, sendo que a minha xará acabou se tornando uma boa amiga. Carol Tolomelli e eu nos fizemos o favor de fotografar nosso embarque e assim tudo começou. O outro, filho de um político qualquer, não fez falta algum tempo depois. E ainda por cima era um frouxo (fato que comprovamos enquanto fazíamos as trilhas e quando caímos na água pra mergulhar com cilindro). Foram 5 dias que provaram que eu tinha coragem o suficiente pra viajar sozinha, sem planos certos e apenas uma certeza: eu tinha que estar lá.

Desde os meus mais remotos sonhos de infância, planejando ser oceanógrafa e completamente fissurada nas expedições de Jacques Cousteau, sempre sonhei com Fernando de Noronha. Fernando foi meu primeiro amor e demorei muitos anos pra eliminar o fantasma do amor platônico. E assim que tive a oportunidade, desci em Recife e entrei em um bimotor esquisito, rumo aos meus velhos sonhos. Quando cheguei em Noronha, meu amigo Mário, mergulhador e velho conhecido de Morro de São Paulo, um bocado de gente já esperava por mim. Mário, ainda ferrado por uma infecção, me buscou no aeroporto e fomos ouvir um bolero de Ravel com vista para o sol e os Dois Irmãos (Fafá de Belém, pra quem conhece a piada). Nenhuma recepção seria mais perfeita. Afinal, desde que me entendo por gente sei que Carmina Burana é uma das músicas que fazem parte do meu enredo.

À noite, uma volta pela ilha, pizza e música num restaurante. Quando repentinamente encontrei Carol e o frouxo. Dali em diante praticamente não nos separamos, exceto no último dia, já que permaneci por mais tempo em Noronha. Mergulhos agendados, já “safa” e completamente segura ao tomar os ônibus na menor rodovia federal do país, fui de uma ponta a outra. E por mais que pareça impossível, em 5 dias não consegui visitar o Buraco da Raquel, não nadei na praia de Sueste, não desci na praia do Leão (tema do quadro no meu quarto na pousada em que me hospedei).

Mas consegui presenciar os múltiplos azuis e lilazes da praia do Sancho, depois de passar por dentro de enormes pedras mesmo usando chinelos escorregadios. Descemos as muitas escadas e entramos naquela água abençoada, sem dúvida uma das paisagens mais bonitas que já vi e tive o prazer de degustar. Também rodamos pela rodovia e visitamos pontos importantes, como o mirante na praia do Leão. No último dia visitei um berçário marinho na praia do Atalaia, fiscalizado pelo Ibama e cheio de vida (lá eu encontrei um peixe que fotografei e chamei de “Deus”)... Também presenciei o pôr-do-sol na praia do Cachorro, andei pelo forte e fiquei imaginando como era a vida daqueles que um dia foram prisioneiros naquele paraíso perdido que tinha seu papel invertido: a punição para os criminosos. Vi muitas “mabuias” entre as rochas e soube da história de todos os animais que foram migrados para lá pelas mãos do homem.

Evidentemente fiz o passeio de escuna para acompanhar os golfinhos pela Baía dos Porcos, de um azul petróleo inigualável. Lembrei-me de que minha mãe visitou Noronha quando ainda era permitido cair na água e nadar com os golfinhos em alto mar. Não dei tanta sorte (mas matei a vontade em Cancun). Eles cantarolavam qualquer coisa – talvez ensaiassem algum trecho de Ravel. Neste dia fiz um mergulho livre, assisti aos mergulhos profundos do Mário só com o ar dos pulmões. E debaixo d´água ainda podia ouvir os berros estridentes dos golfinhos rotatores, vindo de todos os cantos possíveis.

No meu mergulho de cilindro, fiz peripécia. “Peripécias de Ourinho”, um dos livros de minha infância, que falava exatamente de um peixinho aventureiro e teimoso. Qualquer semelhança, mera coincidência. Mário me levou a 20 metros, mesmo que na teoria eu não pudesse ultrapassar 10 metros como mergulhadora amadora. Entramos em uma caverna, vi moréia de chifre, vi cardumes, trombei com meus queridos Frades azuis pela primeira vez. Era como cumprir uma promessa, um pacto feito com meus sonhos mais remotos. Eu estava no meu céu particular... e economizando oxigênio.

Mas não posso negar que o passeio que mais me marcou em Noronha não é nenhum dos que citei acima. Um dia, sem a companhia dos conhecidos e do velho amigo, decidi sozinha embarcar numa escuna e fazer o tal “mergulho de reboque”. Por sorte, eu estava na ilha na semana da regata internacional. A ilha fervia, o porto estava cheio de barcos lindos, incluindo o Cisne Branco da Marinha Brasileira. Já na escuna, em uma das 4 cordas amarradas no fundo do barco (numa das pontas, numa corda bem comprida), programaram para que eu alternasse com uma senhora de uns 50 anos. Que sorte! Ela não resistiu por muito tempo segurando numa prancha contra a maré e contra a água expelida pelo motor do barco... Sobrou pra mim, como se isso fosse um problema (risos)! Durante quase duas horas ditei a rota da minha prancha de acrílico, tomei litros de água em apuros, me afundei em alto mar em meio a enormes cardumes como se eu fosse personagem de um Globo Repórter. Força no braço, pulmão em treinamento, olhos bem abertos na máscara e nada de sequer me lembrar de fotografar alguma coisa. Era como estar em “O Segredo do Abismo”- completamente surreal, até mesmo pra James Cameron. Cardumes, arraias, naufrágios, ouriços brancos e a certeza que sempre carregarei: sou do mar, por mais que seja difícil permanecer perto dele.


Oh Fortuna (Tradução)


Oh, fortuna,
Variável
Como a lua,
Sempre cresces
Ou minguas;
Detestável
Ora frustra
Ora satisfaz
Com zombaria os desejos da mente,
À pobreza
E ao poder
Dissolve como se fossem gelo.
Sorte monstruosa
E vã,
Tu, roda a girar,
A aflição
E o vão bem-estar
Sempre se dissolvem
Tenebrosa
E velada
Atacas-me também;
Agora por teu capricho
Costas nuas
Trago sob teu ataque.
Senhora do bem-estar
E da virtude,
Estás agora contra mim;
Nesta hora
Sem demora
Tocai as cordas;
Pois que a sorte
Esmaga o forte
Chorai todos comigo.

22/02/2011

Anti

Meu humor é ácido. Ou talvez ande assim... Tenho me policiado nos últimos tempos. Instaurei um filtro nos meus pensamentos e mesmo assim eles insistem em escapulir da ponta da língua pelas frestas dos dentes. Talvez por isso o toque do celular agora repita que estou andando na corda bamba, na voz de Janelle Monáe.

Ando no limiar de muitos riscos, testando meus limites antes nunca testados. Sim, talvez seja o efeito da ausência de crises me fazendo sentir o peso das decisões às vezes descabidas, mas será que a ausência de planos é tão ruim assim? Em tempos de paz, enxerga-se o que antes era apenas inimigo suspeito.

Mas não adianta negar a minha própria natureza: anti-monotonia, anti-hipocrisia, anti-falsidade, anti-censura. Anti. Anti tudo que não merece dedicação, que só merece desprezo e completa pena. Anti do antagônico, do antipático, de antítese. Desde que eu não me acomode quando algo não me parece justo, correto ou sincero. Anti-comodismo, anti-gente-que-não-se-permite-questionar.

E talvez esse movimento anti também me inclua. Anti meus medos, anti meus remorsos, anti minhas mágoas, anti minhas vontades de vingança ocultas... Não importa, não sou infalível. Sou só mais uma garota enxaqueca cuspindo marimbondos no vácuo. Sem mau humor, mas azedinha, sem sutilezas, sem filtro, nada mais.


16/02/2011

Quase um Mantra

"Os bons dias te dão felicidade.
Os maus te dão experiência.
A felicidade te faz doce.
Os problemas te mantêm forte.
As penas te mantêm humano.
As quedas te mantêm humilde.
O bom êxito te mantém brilhante.
Mas só Deus te mantém caminhando."

15/02/2011

O Perdedor

Talvez eu devesse escrever apenas sobre a incrível atuação de Christian Bale, mas estaria resumindo o filme à máscara de um bom ator que me deixou perplexa. Confesso que mesmo depois de “Sobrevivente”, eu ainda tinha como referência suas atuações como o bonitão Batman, padrão de mercado no mundo dos super heróis. Cai do cavalo, meus caros! Ele deixou de ser o bonitão para se transformar num “aloprado” completamente sem eira nem beira. Como diria qualquer poeta: “é que a loucura mora em cada instantizinho de vida”.
 
Ele não está somente “emagrecido”, está completamente tomado pelo seu vício, por sua obsessão por uma luta fantasiada durante anos. O mais incrível é que no mesmo dia assisti “Cisne Negro” e mais uma vez fui exposta à óticas diferentes de um tema comum: as obsessões nas quais embarcamos ao longo da vida. “Você não venceu – o adversário tropeçou!” Como se todos os seus medos camuflados se transformassem numa “feiúra congênita”, sem dentes para sorrir para a vida que se passa lá fora, acreditando que ainda é famoso mesmo que seja às custas de um documentário sobre o crack.
 
Se durante o dia eu acompanhei o drama de um cisne negro, à noite eu percebi que os urubus também rondam os passos frustrados de alguém. Mais uma mãe que acha que sempre sabe o que é o melhor para seu filho, que se recusa a enxergar o problema que assombra sua família e que impõe a união como único meio de sobrevivência na pequena Lowell. Ela não vê que seu filho salta das janelas e cai no lixo apenas para manter as aparências, quando poucos segundos antes estava compartilhando uma fumaça com outros desdentados. Ele não destrói apenas a sua vida, mas traga todos para dentro do seu mundo nublado.
 
Como se não bastasse, transforma seu irmão mais novo em sua própria carniça. Afinal, ele precisa se alimentar, precisa manter seus sonhos através de alguém que talvez os consiga concretizar. É a pressão para que o outro obtenha aquilo que você mesmo não consegue, querendo que todos tenham os mesmos valores, vontades e vitórias que um dia você projetou em sua vida. E o pequeno caçula passa anos apanhando da vida porque simplesmente não tomou seu próprio rumo e permitiu que as intromissões o reduzissem a pó nos ringues de boxe.
 
Não vou entrar no mérito se eu acredito ou não que as pessoas podem mudar. Porque não acho que Dick (Christian Bale) mudou. Nem acho que Alice (mãe) mudou. Quem mudou, seja em função ou não da presença da garota por quem se apaixonou, foi Mick, que finalmente se libertou das decisões alheias e tomou as decisões necessárias para realizar seu sonho. E mesmo assim, nem ele mudou completamente: ele apenas uniu o útil ao “amável”, sem perder as pessoas que à sua maneira o amavam e garantindo que aqueles que colocavam freios nas loucuras familiares estariam ao seu lado, vigiando. Afinal, não é isso que fazemos o tempo todo quando nos acomodamos? Não estamos sempre nos cercando de quem quer lutar e evitando a fadiga?
 

14/02/2011

Do Patinho ao Cisne

Cisne Negro é um filme desconfortável. Você se incomoda pelos mais diversos motivos. Incomoda e muito... Você se remexe na poltrona do cinema... Embola os pensamentos dentro da cachola... E você pensa... Na beleza da minúscula Natalie Portman, ganhando a cena com uma presença de gigante. Na dureza de uma vida dedicada a um ideal, tão mal recompensado às vezes. Nos limites do ser humano, sejam físicos ou psicológicos. Nos monstros que criamos, transformando nossos medos em estímulos para encarar a vida de frente. Na obsessão por superar a todos e a si mesmo.
Alguns trechos do filme te deixam sem fôlego. A polêmica vai do terror ao sensual. Como se todos os nervos da miúda Nina fossem testados para que ela deixasse de ser só um patinho feio e assumisse o posto de primeira bailaria do lago inteiro. Não é fácil encarar um novo papel na vida, por mais que você já saiba de cor como fazê-lo. Não basta saber, e como diria Nina, “é preciso sentir, pois só assim será perfeito”. Mas o preço que se paga por um sentimento tão pleno pode equivaler a um ingresso para a loucura.
Não há quem não tenha pensado em como a mãe da jovem bailarina se intromete demais. Ela vive sua vida através das realizações da filha. Ela se projeta nos sonhos de uma garota frágil, que se sente pressionada por todos os lados. Uma mãe que vive uma vida solitária, culpando sua filha por ter deixado tantas coisas de lado para criá-la. Assunto este que é bem rotineiro nos relacionamentos entre pais e filhos, pode apostar. Só que Nina não consegue lutar contra a invasão diária enquanto ainda está sã, ou pelo menos sã o suficiente. Até que um dia ela cria seu próprio mecanismo de privacidade, ainda que seja violento. Ela se fecha porque não teve espaço para se abrir, rumo a um caminho sem volta.
Não há quem não tenha sentido uma certa pena de Beth, a bailarina experiente que comprova a volatilidade da fama. O papel de estrela torna-se viciante, entorpece, confunde e atropela. Estranha coincidência com a própria vida da atriz, Wynona, que por sinal parece estar no formol há décadas. Ainda a vejo como a menina esquisita descendo as escadas, dançando, em os “Fantasmas se Divertem”. A posição neste ciclo de transtornos se alterna, quando Nina percebe que ela assume diferentes papéis quando se trata de Beth e quando se trata de Lily, a bailarina com asas nas costas.
Não há quem não sinta uma certa repugnância pelo assédio representado por Thomas, líder da trupe. Ele invade a vida de Nina em todos os aspectos, por mais que nas vias de fato não faça nada tão absurdo quanto realmente ele poderia. Ele sabia o quanto podia, afinal, uma artista frágil estava em suas mãos para se transformar em um grande cisne. Mas ele a faz pensar em tudo que ela suprimiu em sua vida ao longo dos anos de árduo esforço. Assim como em seu balé, ela permitiu que tudo fosse racional ou técnico demais, sem sentimento, sem liberdade, sem criatividade, sem leveza. Thomas não foi o mais sutil e delicado para trazer à tona o que Nina precisava enfrentar, mas ele conseguiu.
Não há quem não se imagine vivendo surtos esquizofrênicos, trombando com espelhos que têm vida própria, enxergando vultos pelos corredores, criando asas como um belo cisne negro, mutilando-se, acalentando seu medo ferindo aquele que lhe ameaça, fantasiando coisas que sempre escondeu de você mesmo. A ordem dos fatos apresentados te atordoa, confundindo os limites entre realidade e imaginação. Você se sente na posição de Nina, desesperada, amedrontada, pressionada e resignada, levando a execução do seu sonho ao seu máximo. Você não sabe e não entende, assim como Nina, mas consegue sentir compaixão pelo seu ato final, quando o esforço insuportável se transforma em arte.
Tenho certeza de que muitos saíram das salas de cinema espalhadas pelo mundo com olhares atônitos, sem ar, com os pés ainda procurando o chão. Alguns incomodados com as cenas e diálogos sobre sexo, alguns desacreditados após o final da história, cheio de “inexplicações”. Eu precisei de um tempo pra digerir o que senti. Só consegui chegar a uma conclusão: deixar de ser patinho feito pra se transformar em cisne não é tarefa para qualquer um. Se não respeitamos os nossos limites, entramos em crise à beira do abismo. Resta saber se você consegue sair da crise sem se tragado pelo nada que o espera no fundo do poço.

08/02/2011

Minha Volta ao Mundo


Iniciei em 2009 um audacioso plano de percorrer o mundo. Não vai dar tempo de conhecer tudo, a vida é curta. Por este motivo, estou espalhando meu nome pelo mundo abusando das viagens alheias. Sempre peço uma foto com meu nome, pois uma fotografia é um ícone para dizer que alguém pensou em você naquele lugar, naquele instante. E isso vale muito, ao menos para mim. Afinal, quem sabe eu não consigo captar as boas energias de todos os cantos mesmo que eu não possa colocar meus pés lá?


Desde então estive em muitos cantos, com muitas pessoas! Talvez esse seja o motivo de repentinamente bater um cansaço, mesmo permanecendo estática no meu sofá que ja tem o molde do meu próprio corpo. Talvez por isso eu acorde achando que estava em outro fuso horário, ou vagando a noite inteira em alguma outra latitude... Só sei que tem gente que pede souvenirs, tem gente que pede perfume, tem gente que curte folhas de árvores. Eu curto meu nome ao vento, espalhado por aí, todo dia um novo lugar. Claro, não perdi a mania dos ímãs de geladeira, mas as fotos, ahhh, as fotos! Nada as substitui!


Um dia vou descobrir que meu álbum no Facebook é muito melhor do que qualquer tabuleiro de War, pois vai sempre contar uma história única e peculiar. As fotos com meus queridos amigos não serão publicadas aqui, mas algumas das fotos genéricas estão expostas aqui apenas para agradecer pela constante lembrança do meu nome em terras estrangeiras! Valeu, pessoal! Significa muito pra mim...


Obs: Tem mesmo uma ponta de inspiração no duende da Amelie Poulain. :)

06/02/2011

Antes de Ir

Então “é melhor falar demais do que nunca dizer o que você precisa dizer de novo”. Quando assisti “Antes de Partir” pela primeira vez não imaginava que estava prestes a viver uma despedida. Muitos meses depois, hoje, vejo que nunca me arrependi pelo que não fiz. Nunca me arrependi pelo que não disse. E se hoje eu tivesse que escrever a minha “lista da bota”, ficaria realmente em dúvida sobre o que ainda me falta fazer.


Assim como Edward, talvez eu me prendesse a vontades superficiais, mas quem disse que seriam menos sinceras? Vou voar de balão, ainda vou saltar de pára-quedas, ainda vou visitar as Pirâmides do Egito, ainda vou caminhar pela Muralha da China, ainda vou mergulhar com tubarões, ainda vou ler um livro qualquer numa praia da Polinésia Francesa, ainda vou fotografar milhares de paisagens únicas, ainda vou... Ainda tenho muito tempo, mas se hoje fosse o último dia, acredito que fiz tudo que estava ao meu alcance, muitas vezes sem um pingo de juízo.


Mas assim como Carter, se abri mão de algo em algum momento, fiz de coração e sem arrependimentos. Fiz o que podia, tento sempre fazer o que posso. Mas sem desrespeitar o meu próprio limite. “Você teve alegria na vida?” Sim. “Você trouxe alegria à vida de outras pessoas?” Modéstia a parte, sim. Se estas fossem mesmo as duas únicas perguntas que me liberassem a passagem, acho que tudo daria certo. Portanto, mais do que um filme sobre realizar seus sonhos e reencontrar-se, “Antes de Partir” na verdade é um jeito de lembrar que somos finitos. Não desperdice seu tempo. Não se arrependa por não tentar.



Diga


John Mayers



Pegue toda a sua honra desperdiçada


Todas as pequenas frustrações passadas


Pegue todos os seus "chamados" problemas


Melhor colocá-los entre aspas



Diga o que você precisa dizer...



Caminhando como um exército de um homem só


Lutando contra as sombras em sua mente


Vivendo o mesmo velho momento


Sabendo que você estaria em melhores condições se quisesse



Se você pudesse apenas... Diga o que você precisa dizer...



Não tenha medo de continuar


Não tenha medo de desistir


Seria melhor você saber que no final


é melhor falar demais do que nunca dizer o que você precisa dizer de novo



Mesmo que suas mãos estejam tremendo


E sua fé esteja perdida


Mesmo se os olhos estiverem se fechando


Faça isso com o coração aberto



(De coração aberto)



Diga o que você precisa dizer...


Diga o que você precisa, Diga o que você precisa...


Diga o que você precisa dizer...

05/02/2011

O Escritor


Parece que escolhi a dedo a temática de hoje... Arrependimentos, passado, sentimentos mal resolvidos. Tudo culpa do que não se fala, tudo culpa de não se dizer o que se sente. Eu digo, mais do que deveria. Durante essa semana tentei instalar um filtro em minha boca, torci pra que isso me deixasse em paz. Só deu certo porque de fato eu não quis falar nada além do que falei.

Mas e se eu quisesse mesmo soltar o verbo, sobre o que soltaria? Todos aqueles que amei, sem dúvidas, souberam disso por mim. Não precisei gravar fitas e fitas com textos alheios para demonstrar nada, fosse alegre ou triste. Escrevi centenas de cartas, uma a uma, na maioria das vezes à mão. Sempre fui melhor pra falar sobre o que sinto quando escrevo. Assim como estou agora, falando com qualquer um que me leia, pois nada realmente fica preso aqui dentro.

Como eu poderia ser Hanna sem sequer saber ler? A diferença básica já residiria nessa impossibilidade de colocar pra fora sem precisar da voz. Ela precisou estar presa para finalmente escrever e assim manter a sua ínfima presença no mundo lá fora. E não é isso que estou fazendo, quando lanço essa mensagem no mar, esperando que alguém na Groelândia encontre essa garrafa perdida?

Pobre Michael Berg, que também não teve coragem de dizer que sabia que ela era uma analfabeta. Mas reconheço que ele não era analfabeto quando se tratava do respeito ao próximo, por mais dura que essa tarefa possa um dia ser. Você pode não concordar, pode não aceitar o que o outro aceita, mas ainda assim é uma escolha do outro, não sua. Você não é apenas um leitor na sua vida – você a escreve. Mas ainda assim é apenas um coadjuvante na vida alheia. Eis o que diz “O Leitor”.

O primeiro filme disse: “Não viva a vida de outra pessoa”. Traduzindo: “Não carregue o peso do mundo, pois você ainda tem que resolver os seus próprios problemas”. Este segundo filme disse: “Não deixe de viver a sua vida por medo.” Traduzindo: “Seja sincero com sua vida.” Fico aliviada, pois acho que estou no caminho certo. Não estou simplesmente escrevendo um mantra de autoafirmação – é uma constatação saudável.

Olhos sem Segredos


Não quero passar um minuto sequer vivendo em função dos eventos mais dolorosos pelos quais passei. Não me prendo a eles, por mais que eles me definam. Hoje sou uma garota-mulher precoce, que se vira sozinha na selva de pedra, rodeada por muitas pessoas queridas e em quem confio. Não vejo motivos para, então, ficar pensando no “o que seria se”... As linhas da minha mão não são as mais retilíneas, bem marcadas e definidas. Em algumas delas existem bifurcações, indo ou vindo. Não adianta achar que tudo vai ser perfeitinho, feito em linha de produção taylorista. E que venham as bifurcações, desde que elas não sejam mais importantes do que todo o resto da linha!


Separei um tempo pra curtir o mundo lá fora sem sair de casa. Depois de quase um ano, finalmente assisti “O Segredo dos Seus Olhos”, filme argentino que aparenta ser meio parado, mas que é mais do que sincero: é honesto quando aos nossos desejos reprimidos de vingança. (Por sinal, agora estou vendo V de Vingança pela milésima vez). Não se trata de ser uma pessoa boa ou má – trata-se das justiças que a gente espera da vida. O problema é quando esperar pela justiça “divina” não se torna suficiente e você vive esperando por uma oportunidade de fazê-la ou saber feita a justiça.


Você pode passar anos se remoendo pelo que fez, ou simplesmente aceitar. Ou talvez agir para mudar as coisas, se é que elas ainda fazem sentido. Pois o “timing” dos sentimentos e momentos também passa. Você jamais será a mesma pessoa que foi ontem, com os mesmos desejos e mágoas. Eis o milagre do tempo para quem se deixa levar, ao invés de parar na vida que já passou. E parar, esperando por uma versão dos fatos num mundo paralelo, não é a solução.


Se você ainda não viu o filme, espere para vê-lo quando a vida te empurrar até ele ou simplesmente procure por ele. Eu o procuro há meses. Mas só hoje, reclusa, consegui finalmente saber quem era Benjamim, quem era Isidoro. Tudo que sei, agora, neste instante, é que há muito tempo atrás eu vivi dias de Benjamim, sem assumir o que sentia, sem lutar por minha paixão. Sei também que durante muito tempo vi injustiças e desencontros como os provocados por Isidoro, entorpecido por seu objeto de desejo. E ainda verei. Mas o importante mesmo é que não sou e provavelmente nunca serei com o Morales, esposo devoto de Liliana. Pois não quero meus rancores aprisionados e sendo alimentados por mim. Não quero uma cela dentro da minha própria casa. Dou-lhes toda a liberdade para que desapareçam no seu devido tempo... e no final, estou leve, mas não vazia.

04/02/2011

Teoria da Leveza

Síndrome da paz, ou seja, o conflito resultante da própria leveza. Acho que preciso trocar meus homeopáticos, porque estou relaxada demais enquanto o furacão arrasa a Austrália. Mas o problema é que eu não tenho um belo plano de evacuação em situações de catástrofe natural. Se o mundo tombar lá fora agora, vou levar alguns dias para descobrir. Não estou em câmera lenta, mas simplesmente não sinto o problema rondando lá fora. Não estou numa casa de vidro – simplesmente nem estou em casa – não estou em lugar nenhum.
 
Faço o que tenho que fazer. Falo com quem devo falar. Ouço todo mundo. Desabafo quando preciso. Pago o que tenho que pagar. Não me apavoro se estou engolindo o mundo com fome demais. Posso me engasgar, fato. Só sei que tudo acontece como se fosse num mundo paralelo. Viro as noites entre o rolar inquieto na cama, redes sociais e sonâmbulos como eu. Passo os dias pensando em coisas que ainda quero fazer, não esmago meus neurônios e tudo parece bem assim. Uma vez ou outra me deparo com as crueldades do mundo lá fora – desligo a televisão ou então vejo algum programa sobre a vida marinha.
 
Se isso não é viver de brisa, não sei mais do que se trata. É como se eu estivesse em paz com a normalidade de algumas coisas antes anormais. No fundo, permanecem os mesmos anseios, mas amadurecidos e quase resignados: que cheguem na hora certa. A concentração está comprometida, fato. As idéias ficam emboladas, mas estão satisfeitas por simplesmente estarem onde estão. Sim, neste momento eu queria estar em vários outros lugares, mas estou feliz onde estou. Acordei em paz com o que a vida me deu e é uma excelente sensação, pois não mata a curiosidade do que ainda está por vir.
 
Como me disseram ontem, “só os boçais não vivem em crise”. E usando os bons trocadilhos da minha mania registrada, nada melhor do que estar em “quarentena” pra alguém te lembrar disso. Ficar a sós com seus próprios pensamentos não é uma tarefa tão simples. Se você não aprende a não se desesperar com todas as hipóteses que é capaz de criar, surta em pouco tempo. Mas quando se consegue pensar, sem achar que tudo um dia será concreto, chega-se ao ápice da liberdade: pensar, pensar, pensar, sem comprometer ou intervir naquilo que na maioria das vezes nem está nas suas mãos.
 
Meu filtro ainda limpo e fino demais. Se me perguntam o que penso, falo, sem receio, muitas vezes sem pudor. Como se a liberdade de pensamento me impedisse que controlar os músculos da língua afiada. Se não quer saber a minha opinião, portanto, nem me pergunte. Tudo se intensifica pelo simples fato de existir, mesmo que não seja no plano concreto. Sim, ou te amo ou te odeio. E amo muito. “Eu posso amar por alguns segundos. E talvez um dia possa amar muitos por vários segundos.” É o que diria a música. A vantagem é que, graças à facilidade de aceitar a diversidade, odeio pouca gente. E odeio só quando me lembro... E como tenho pouco tempo pra me lembrar de quem odeio, praticamente não odeio. Desenvolvi a amnésia do que não me faz bem. E isso não é ser livre? E isso não é o conflito da própria leveza?
 

03/02/2011

Futuro Projetado

Eu estava pensando nas manifestações no Egito. Mas esqueci tudo que queria escrever pouco antes de colocar os dedos em ação. Lembro que acordei sabendo sobre o que escreveria, mas de repente tudo virou pó. Talvez quisesse falar sobre os pesos de uma vida aparentemente “descolada”. Talvez eu quisesse falar sobre a paciência e a perseverança. Talvez quisesse falar sobre não ficar em cima do muro. Mas pode ser que eu só quisesse mencionar que liguei um certo botão para algumas coisas que antes me tiravam o sono. Talvez eu tenha apenas me cansado de viver me cobrando para ser uma pessoa sempre certa, sempre séria, sempre precavida, sempre nos moldes ditados pelo contexto.


Durante muito tempo vivi esperando por uma vida projetada, realizada apenas no futuro incerto, sem consistência e sem resultado palpável. Criei enormes castelos, transformei pessoas em heróis, acreditei em príncipes e esperei por uma maré de boa sorte. Perdi tempo demais esperando. Perdi tempo demais fantasiando. “Deus é responsável pelas nossas necessidades, mas não tem nenhum compromisso com nossas fantasias.” O que eu sempre precisei, sempre esteve ao meu alcance. Mas na eterna mania de projetar ilusões, durante muito achei que alguém me devia a concretização de minhas fantasias.


E ainda bem que o universo não conspirou a meu favor sempre que esperei por isso. Tantas fantasias antes criadas... hoje se transformariam em mais algumas ilusões desmascaradas. Enquanto experiências platônicas, essas ilusões me valeram mais e moldaram quem eu sou hoje. Sorte minha por ainda não ser argila endurecida... Como disse Rubem Alves, “é que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser”. Hoje eu sou hoje, no máximo alguns meses adiante, deixando a vida correr no seu rumo natural. Precisei descobrir que a minha felicidade não reside em corações alheios, precisei entender que só eu sei o que realmente pode me fazer feliz. E mesmo que o preço seja alto, só serei feliz seguindo as minhas vontades, sinceramente florescidas dentro de mim.


Por este motivo não há manifestação em Cairo que estremeça essa minha certeza: não posso fugir de quem sou, como fiz durante muito tempo. Tenho que aproveitar o pouco tempo que tenho aqui para garantir que vou fazer o máximo possível de coisas que deixem feliz ou que me exijam coragem. Mas sem esperar que outras pessoas me acompanhem sempre, pois cada um sabe o que realmente lhe satisfaz. Eis o grande mistério das relações humanas, onde nossa incompletude é eterna e garante nossa essência como seres particulares. Somos definidos pelos que somos e pelo que não somos e o grande segredo de garantir a leveza da vida é não se martirizar por não ser isso ou aquilo.


"Morre e transforma-te!", nas palavras supostamente ditas por Goethe. Deixe o tempo passar, deixe as pessoas partirem, deixe as pessoas se aproximarem. Deixe “morrer” no sentido de entender que o fim é uma referência, não uma interrupção de tudo que ainda está por vir. Só nos transformamos matando algo dentro de nós. Deixe morrer aquilo não é mais necessário à sua felicidade e seja sincero com sua própria vida. Como diria um amigo meu, não se acomode na posição de “pigmeu emocional”. Fugir do que você é não te garantirá uma vaga no céu.