24/02/2011

Saudade, Noronha!

Hoje senti saudades de um Fernando, mas esse é de Noronha.


“Considera-se como data oficial do descobrimento de Fernando de Noronha o dia 10 de agosto de 1503, a partir dos registros documentais existentes do navegador e escritor Florentino Américo Vespúcio, que comandava uma das embarcações de uma frota de 6 navios da expedição. Em 1505/1506, Vespúcio descreve a ilhas e relata o acidente ocorrido com Nau-capitânia, comandada por Gonçalo Coelho, que afundou próximo ao arquipélago. A ilha, ao ter sido descoberta pelo reino de Portugal, foi designada de Ilha de São João da Quaresma, provavelmente por Gaspar de Lemos, em 1500, ou por uma expedição da qual Duarte Leite erroneamente terá atribuído o comando a Fernão de Noronha, realizada em 15011502. Porém o primeiro a descrevê-la foi de fato Américo Vespúcio. O fato de já ser chamada Ilha de Fernão de Noronha por Frei Vicente do Salvador, tal como hoje é conhecida, está justificado por provir do nome do primeiro proprietário da capitania hereditária, Fernão de Noronha ou Fernão de Loronha, após doação de D. Manuel I em 16 de fevereiro de 1504.”

Estive em Noronha em 2005. Viajei sozinha, sabendo que meu padrinho de mergulho estaria por lá. Fiz dois companheiros de viagem, sendo que a minha xará acabou se tornando uma boa amiga. Carol Tolomelli e eu nos fizemos o favor de fotografar nosso embarque e assim tudo começou. O outro, filho de um político qualquer, não fez falta algum tempo depois. E ainda por cima era um frouxo (fato que comprovamos enquanto fazíamos as trilhas e quando caímos na água pra mergulhar com cilindro). Foram 5 dias que provaram que eu tinha coragem o suficiente pra viajar sozinha, sem planos certos e apenas uma certeza: eu tinha que estar lá.

Desde os meus mais remotos sonhos de infância, planejando ser oceanógrafa e completamente fissurada nas expedições de Jacques Cousteau, sempre sonhei com Fernando de Noronha. Fernando foi meu primeiro amor e demorei muitos anos pra eliminar o fantasma do amor platônico. E assim que tive a oportunidade, desci em Recife e entrei em um bimotor esquisito, rumo aos meus velhos sonhos. Quando cheguei em Noronha, meu amigo Mário, mergulhador e velho conhecido de Morro de São Paulo, um bocado de gente já esperava por mim. Mário, ainda ferrado por uma infecção, me buscou no aeroporto e fomos ouvir um bolero de Ravel com vista para o sol e os Dois Irmãos (Fafá de Belém, pra quem conhece a piada). Nenhuma recepção seria mais perfeita. Afinal, desde que me entendo por gente sei que Carmina Burana é uma das músicas que fazem parte do meu enredo.

À noite, uma volta pela ilha, pizza e música num restaurante. Quando repentinamente encontrei Carol e o frouxo. Dali em diante praticamente não nos separamos, exceto no último dia, já que permaneci por mais tempo em Noronha. Mergulhos agendados, já “safa” e completamente segura ao tomar os ônibus na menor rodovia federal do país, fui de uma ponta a outra. E por mais que pareça impossível, em 5 dias não consegui visitar o Buraco da Raquel, não nadei na praia de Sueste, não desci na praia do Leão (tema do quadro no meu quarto na pousada em que me hospedei).

Mas consegui presenciar os múltiplos azuis e lilazes da praia do Sancho, depois de passar por dentro de enormes pedras mesmo usando chinelos escorregadios. Descemos as muitas escadas e entramos naquela água abençoada, sem dúvida uma das paisagens mais bonitas que já vi e tive o prazer de degustar. Também rodamos pela rodovia e visitamos pontos importantes, como o mirante na praia do Leão. No último dia visitei um berçário marinho na praia do Atalaia, fiscalizado pelo Ibama e cheio de vida (lá eu encontrei um peixe que fotografei e chamei de “Deus”)... Também presenciei o pôr-do-sol na praia do Cachorro, andei pelo forte e fiquei imaginando como era a vida daqueles que um dia foram prisioneiros naquele paraíso perdido que tinha seu papel invertido: a punição para os criminosos. Vi muitas “mabuias” entre as rochas e soube da história de todos os animais que foram migrados para lá pelas mãos do homem.

Evidentemente fiz o passeio de escuna para acompanhar os golfinhos pela Baía dos Porcos, de um azul petróleo inigualável. Lembrei-me de que minha mãe visitou Noronha quando ainda era permitido cair na água e nadar com os golfinhos em alto mar. Não dei tanta sorte (mas matei a vontade em Cancun). Eles cantarolavam qualquer coisa – talvez ensaiassem algum trecho de Ravel. Neste dia fiz um mergulho livre, assisti aos mergulhos profundos do Mário só com o ar dos pulmões. E debaixo d´água ainda podia ouvir os berros estridentes dos golfinhos rotatores, vindo de todos os cantos possíveis.

No meu mergulho de cilindro, fiz peripécia. “Peripécias de Ourinho”, um dos livros de minha infância, que falava exatamente de um peixinho aventureiro e teimoso. Qualquer semelhança, mera coincidência. Mário me levou a 20 metros, mesmo que na teoria eu não pudesse ultrapassar 10 metros como mergulhadora amadora. Entramos em uma caverna, vi moréia de chifre, vi cardumes, trombei com meus queridos Frades azuis pela primeira vez. Era como cumprir uma promessa, um pacto feito com meus sonhos mais remotos. Eu estava no meu céu particular... e economizando oxigênio.

Mas não posso negar que o passeio que mais me marcou em Noronha não é nenhum dos que citei acima. Um dia, sem a companhia dos conhecidos e do velho amigo, decidi sozinha embarcar numa escuna e fazer o tal “mergulho de reboque”. Por sorte, eu estava na ilha na semana da regata internacional. A ilha fervia, o porto estava cheio de barcos lindos, incluindo o Cisne Branco da Marinha Brasileira. Já na escuna, em uma das 4 cordas amarradas no fundo do barco (numa das pontas, numa corda bem comprida), programaram para que eu alternasse com uma senhora de uns 50 anos. Que sorte! Ela não resistiu por muito tempo segurando numa prancha contra a maré e contra a água expelida pelo motor do barco... Sobrou pra mim, como se isso fosse um problema (risos)! Durante quase duas horas ditei a rota da minha prancha de acrílico, tomei litros de água em apuros, me afundei em alto mar em meio a enormes cardumes como se eu fosse personagem de um Globo Repórter. Força no braço, pulmão em treinamento, olhos bem abertos na máscara e nada de sequer me lembrar de fotografar alguma coisa. Era como estar em “O Segredo do Abismo”- completamente surreal, até mesmo pra James Cameron. Cardumes, arraias, naufrágios, ouriços brancos e a certeza que sempre carregarei: sou do mar, por mais que seja difícil permanecer perto dele.


Oh Fortuna (Tradução)


Oh, fortuna,
Variável
Como a lua,
Sempre cresces
Ou minguas;
Detestável
Ora frustra
Ora satisfaz
Com zombaria os desejos da mente,
À pobreza
E ao poder
Dissolve como se fossem gelo.
Sorte monstruosa
E vã,
Tu, roda a girar,
A aflição
E o vão bem-estar
Sempre se dissolvem
Tenebrosa
E velada
Atacas-me também;
Agora por teu capricho
Costas nuas
Trago sob teu ataque.
Senhora do bem-estar
E da virtude,
Estás agora contra mim;
Nesta hora
Sem demora
Tocai as cordas;
Pois que a sorte
Esmaga o forte
Chorai todos comigo.

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