03/02/2011

Futuro Projetado

Eu estava pensando nas manifestações no Egito. Mas esqueci tudo que queria escrever pouco antes de colocar os dedos em ação. Lembro que acordei sabendo sobre o que escreveria, mas de repente tudo virou pó. Talvez quisesse falar sobre os pesos de uma vida aparentemente “descolada”. Talvez eu quisesse falar sobre a paciência e a perseverança. Talvez quisesse falar sobre não ficar em cima do muro. Mas pode ser que eu só quisesse mencionar que liguei um certo botão para algumas coisas que antes me tiravam o sono. Talvez eu tenha apenas me cansado de viver me cobrando para ser uma pessoa sempre certa, sempre séria, sempre precavida, sempre nos moldes ditados pelo contexto.


Durante muito tempo vivi esperando por uma vida projetada, realizada apenas no futuro incerto, sem consistência e sem resultado palpável. Criei enormes castelos, transformei pessoas em heróis, acreditei em príncipes e esperei por uma maré de boa sorte. Perdi tempo demais esperando. Perdi tempo demais fantasiando. “Deus é responsável pelas nossas necessidades, mas não tem nenhum compromisso com nossas fantasias.” O que eu sempre precisei, sempre esteve ao meu alcance. Mas na eterna mania de projetar ilusões, durante muito achei que alguém me devia a concretização de minhas fantasias.


E ainda bem que o universo não conspirou a meu favor sempre que esperei por isso. Tantas fantasias antes criadas... hoje se transformariam em mais algumas ilusões desmascaradas. Enquanto experiências platônicas, essas ilusões me valeram mais e moldaram quem eu sou hoje. Sorte minha por ainda não ser argila endurecida... Como disse Rubem Alves, “é que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser”. Hoje eu sou hoje, no máximo alguns meses adiante, deixando a vida correr no seu rumo natural. Precisei descobrir que a minha felicidade não reside em corações alheios, precisei entender que só eu sei o que realmente pode me fazer feliz. E mesmo que o preço seja alto, só serei feliz seguindo as minhas vontades, sinceramente florescidas dentro de mim.


Por este motivo não há manifestação em Cairo que estremeça essa minha certeza: não posso fugir de quem sou, como fiz durante muito tempo. Tenho que aproveitar o pouco tempo que tenho aqui para garantir que vou fazer o máximo possível de coisas que deixem feliz ou que me exijam coragem. Mas sem esperar que outras pessoas me acompanhem sempre, pois cada um sabe o que realmente lhe satisfaz. Eis o grande mistério das relações humanas, onde nossa incompletude é eterna e garante nossa essência como seres particulares. Somos definidos pelos que somos e pelo que não somos e o grande segredo de garantir a leveza da vida é não se martirizar por não ser isso ou aquilo.


"Morre e transforma-te!", nas palavras supostamente ditas por Goethe. Deixe o tempo passar, deixe as pessoas partirem, deixe as pessoas se aproximarem. Deixe “morrer” no sentido de entender que o fim é uma referência, não uma interrupção de tudo que ainda está por vir. Só nos transformamos matando algo dentro de nós. Deixe morrer aquilo não é mais necessário à sua felicidade e seja sincero com sua própria vida. Como diria um amigo meu, não se acomode na posição de “pigmeu emocional”. Fugir do que você é não te garantirá uma vaga no céu.

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