22/11/2011

Ilha de Páscoa



Ahu Akivi

Vulcão Rano Raraku


Ahu na vila Hanga Roa


Henry Garcia









Expedição Rapa Nui

Quando você pisa naquela terra, não imagina tudo que está além das milhares de reportagens e documentários que você assiste para se preparar para o paraíso. Nada é como pisar naquela terra, mesmo que você deixe de lado superstições sobre ondas energéticas, extraterrestres ou qualquer teoria afim. Não se trata de uma ilha turística como tantas outras, conhecida por suas praias ou pelo azul do Pacífico. Você não entende a ilha logo de cara... E eu procurava entendimento, de mim, do passado, das pessoas. Mas não pensem que eu encontrei.
 
Na Ilha de Páscoa a única certeza que você tem gira em torno de um binômio: fé e ambição. Uma história que representa claramente qualquer passagem humana pela Terra, revelando nossas fraquezas e vitórias. Nossa eterna mania de aproximação de deuses, enquanto mal sabemos lidar com o próximo, aqui, do nosso lado. Os moais são mais do que a representação dos ancestrais do povo Rapa Nui. São a comprovação do quanto estamos à mercê dos nossos egos. Estávamos pisando no umbigo do mundo e acabamos encontrando nosso próprio umbigo.
 
Assim que chegamos, fomos recebidos com aqueles colares floridos que nos remetem ao Hawaí. Afinal, a Ilha de Páscoa também faz parte do triângulo polinésico e a cultura dos 3 pontos possui semelhanças entre si. Chegamos ao hotel e, acompanhada do meu novo amigo também mineiro, arriscamos nossos primeiros passos. É muito fácil andar por lá, mesmo até os pontos mais distantes. Descobrimos logo de cara que à noite aconteceria o espetáculo Kari Kari, com danças da terra. Claro que compramos o ingresso por 10 mil pesos chilenos...
 
Descobrimos que próximo a Hanga Roa (a vila) estava uma parte do patrimônio histórico da ilha. Encontramos o Tahai, com seus olhos ainda pintados de branco e preto, com seu pukao que remete aos coques nos cabelos dos rapa nui. Não é um chapéu, como dizia o filme. Encontramos também um ahu (plataforma sagrada) e mais outro moai um pouco mais deteriorado, mas ainda assim magnífico. Os penhascos contra o mar completam o cenário que impressiona qualquer um que caminha pelos arredores. Você não pode pisar num ahu, é uma área protegida, mas eu havia me prometido uma foto abraçando um moai verdadeiro... Sim, agora me sinto culpada, mas eu tirei a bendita foto com o moai mais deteriorado... E agora ela está no meu mural. A consciência pesou tanto que não repeti a invasão nos outros dias e me ative aos moais “fake” espalhados pela ilha.
 
No segundo dia, encaramos um passeio contratado. Conhecemos as ruínas de Akahanga, com seus moais tombados pelas guerras entre as tribos rapa nui. Além de disputarem o poder, em determinado momento enfrentaram sua própria fé, derrubando os moais que representavam os ancestrais vangloriados e as homenagens aos deuses. Os pukaos rolaram metros adiante e as ruínas não foram restauradas exatamente para manter viva a lembrança desta parte da história do povo rapa nui, levando ao seu próprio declínio e posterior fragilidade diante dos colonizadores.
 
De Akahanga direto para Rano Raraku, o vulcão onde eram talhados os moais. Você paga uma taxa para entrar neste tipo de parque na ilha e seu bilhete vale para outras áreas protegidas. Pelo caminho você compreende a dimensão dessa história. Um moai tombado, quebrado em vários pedaços, mas totalmente protegido. A ação do tempo também é uma ação histórica. Caminhando pelas trilhas, você descobre um vulcão que já estava inativo antes dos ancestrais do povo rapa nui pisar naquelas terras, mas que ao mesmo tempo é sua base cultural. 400 moais espalhados por todo o terreno, acabados ou não, ainda deitados ou já enfrentando o vento, sendo talhados diretamente na pedra e revelando o trabalho manual necessário para executar obras de tamanha grandeza. Você encontra moais rodeando o lago que restou na cratera e pensa em como tantos moais deixaram de ser transportados devido ao extermínio das árvores na ilha (com o deslocamento dos moais utilizando as toras). A cultura rompida pela própria limitação da consciência ecológica a centenas de anos. E não é que ainda persistimos no mesmo erro?
 
Em seguida chegamos ao ahu Tongariki, restaurado pelos japoneses depois do maremoto de 1960 que derrubou estes moais no maior ahu da ilha. Lembrando que quase todos os moais estão posicionados de costas para o mar, olhando para o interior da ilha como se tomassem conta do seu povo e também os vigiassem. O ahu Tongariki possui apenas um moai com pukao e os demais são comuns, mas o que impressiona é o tamanho dos mesmos, a quantidade alinhada a contraposição ao mar azul. Eles estão olhando para o vulcão Rano Raraku e quando o maremoto aconteceu, foram arrastados pela área. Um deles ainda permanece derrubado, talvez com o objetivo de lembrar o povo rapa nui sobre sua fragilidade. É uma visão extraordinária e ainda mais bucólica quando você descobre os cavalos selvagens que circulam pelas redondezas... Cavalos estes que viraram “piada interna” entre nós (mineiros) e os amigos da Croácia e Sérvia que fizemos ao longo do dia... Dizíamos: “Wild horses” com um sotaque esquisito.
 
No terceiro dia também havíamos contratado mais uma série de passeios. Começamos nosso trajeto pela visita ao Rano Kau, outro vulcão inativo da ilha (são três). O vento era de cortar, frio e úmido como manda a tradição de qualquer “morro uivante”. Do topo podemos avistar a vila de Hanga Roa e vislumbrar o formato da ilha. Mas o que mais me encantou foi a história do lago que hoje está na cratera deste vulcão, povoado pela totora (aquela mesma vegetação flutuante do Lago Titicaca). Ele funciona atualmente como uma caixa d´água da ilha, represando água da chuva e escoando pela rede fluvial para toda a ilha, além de ter sido um reservatório amplamente utilizado pelos rapa nui naqueles tempos. Recentemente, devido às taxas de dengue na ilha, buscaram uma solução ecológica para o problema do lago: introduziram uma pequena espécie de peixe que se alimentava das larvas do mosquito. E assim aquela doença estaria com seus dias contados através de uma medida simples e controlada. Avistamos pela primeira vez o Kari Kari (sim, o mesmo nome do espetáculo), que é a abertura do vulcão onde aconteciam os importantes rituais da ilha. Um enorme precipício encarando o mar...
 
Chegamos a Orongo, território sagrado para o povo rapa nui. Um complexo histórico rodeado de lendas e rituais. 53 casas de rapa nui restauradas, demonstrando o estilo de vida daquele povo. Eram como tocas, com uma entrada pequena para barrar o vento constante, em que os rapa nui sempre se mantinham agachados ou deitados. Eram basicamente seus cômodos para dormir, pois não havia espaço para convivência interna. Do alto avistamos as ilhotas que compunham o ritual do homem-pássaro. Moto Nui e as demais ilhas são excelentes pontos de mergulho e seus únicos habitantes são os pássaros, os mesmos que em agosto chegavam à ilha para seus períodos de reprodução. E por este mesmo motivo o ritual era realizado entre agosto e setembro, uma vez que o objetivo era descer o Kari Kari, nadar até as ilhas, buscar o ovo do pássaro e trazê-lo de volta a Orongo, intacto. Muitos morriam já na descida do Kari Kari, que nada mais é do que um enorme penhasco diante do mar. Aquele que retornava primeiro com o ovo intacto era nomeado rei da ilha por um ano, tendo poder sobre as demais tribos. Além disso, recebia como prêmio a virgem branca, aquela que no filme ficava trancada numa caverna para que sua pele clareasse (não ter a pele bronzeada pelo sol lhe garantia um ar de pureza e santidade). O Kari Kari impressiona por sua beleza e por todos os sacrifícios que ali já foram feitos em nome do poder.
 
Orongo também possui petroglifos que registraram a história deste povo, especialmente do ritual do homem-pássaro. São imagens que retratam os vencedores desta corrida, os símbolos da fertilidade (incluindo as genitálias dos sexos), a chegada do pássaro na primavera. Outros animais são representados, tais como a foca (entendida como um ser divino), os peixes e as tartarugas. A população animal da ilha atualmente é composta especialmente por espécimes trazidos durante a colonização, modificando a ecologia natural da ilha. Os bois e vacas ainda têm chifres, coisas que não vemos mais no Brasil, por exemplo. Os cavalos selvagens estão por todos os lados. Cachorros (a maioria vira-lata) enormes e simpáticos rondam a ilha durante todo o dia. E os gatos estão sempre à espreita, gorduchos (se não vemos ratos, eis a explicação mais provável). Quanto às árvores, são todas recentes e espécimes também importados pelos colonizadores. Afinal, este foi o preço dos moais: as toras para rolar cada estátua para seu ponto de destaque...
 
Saltamos para Vinapu, mais um ponto misterioso da história da ilha. É o único ponto onde encontramos uma construção semelhante ao estilo dos incas do Peru, talhando as pedras para que o encaixe fosse perfeito e bem acabado. Estas são as únicas ruínas com este estilo em toda a ilha e não há elo que comprove uma eventual influência dos incas nesta cultura. O povo rapa nui veio da Polinésia, não há dúvidas sobre isso. Testes genéticos comprovaram as semelhanças com o povo polinésico, mas ainda assim permanece o mistério da relação com o povo dos Andes. Talvez a teoria do centésimo macaco explique esse conhecimento compartilhado. Quem sabe não somos mesmo pontos conectados numa consciência coletiva?
 
Rumo às cavernas que um dia foram utilizadas como abrigo pelo povo rapa nui, inclusive para proteger a plantação dos ventos marinhos. Chegamos a Ana Tepahu. Ana em rapa nui é “caverna”. Esta é uma das maiores cavernas da ilha, com cerca de 150 metros de largura. Caminhamos por lá, encontramos fósseis de coqueiros utilizados para suportar o teto da caverna. As plantações de frutas e outros vegetais na entrada da caverna servia para alimentar o povo e também barrar a entrada do vento cheio de sal. Tudo é muito escuro e eu, já conhecida pela minha falta de jeito e coordenação motora, andei pela caverna às cegas e resmungando que eu não precisava fazer aquilo (risos). Mas vale a pena conhecer e sentir aquele clima de esconderijo que toda caverna tem. Nosso guia contou sobre a dizimação desse povo, que recebeu os pacíficos holandeses (James Cook) mas que depois foram escravizados pelos piratas baleeiros. De 20 mil, entre guerras tribais e colonização, foram reduzidos a 111 rapa nui. Uma história de sobrevivência, dolorosamente humana.
 
Dia longo, não é? Ainda visitamos o ahu Akivi, o meu predileto. Não pela beleza, mas pela simbologia. Representam os 7 navegadores que se aventuraram pelo mar para chegar à ilha. São os verdadeiros colonizadores e ancestrais do povo rapa nui. E exatamente por sua ligação com o mar, é o único ahu que não está voltado para o centro da ilha. Eles observam o mar como todo desbravador das águas faria... Confesso que exatamente pelo encanto que me causaram, pouco ouvi o que o guia nos disse (Cristian, um descendente original do povo rapa nui). De lá fomos à montanha onde era extraída a escória vulcânica utilizada para talhar os pukao (rapa nui não tem plural) que representavam os coques nas cabeças dos nativos (que ainda é moda por lá). A escória vulcânica é vermelha e por isso você nota a coloração diferente daquela percebida nos corpos dos moais (sempre com grandes unhas, que representavam o poder).
 
Nossos amigos nos europeus nos forneceram uma informação que nenhum site de pesquisa relatou. A cadeia da Ilha de Páscoa é aberta à visitação. Os presos fabricam artesanato pela metade do preço que encontramos nas lojas no centro da vila (onde eu já havia gastado milhares de pesos). É uma longa caminhada pela vila, mas vale a pena. A cadeia mais parece um galinheiro em função da segurança precária, porém suficiente. Quem é o preso maluco que fugiria dentro de uma ilha onde ele não tem pra onde ir? Você não pode perguntar sobre os crimes cometidos. Os guardas não são armados, enquanto os presos estão em posse de serras elétricas para cortar a madeira utilizada no trabalho que os ajuda a sustentar suas famílias lá fora. Um modelo bacana, mas que provavelmente só funciona em pequenas cadeias como aquela. Os presos te engolem com os olhos, aconselho a não darem muita trela apesar da curiosidade. Dias depois levei um casal de novos amigos lá também e um dos presos me deu um “regalo” (presente) por eu ter levado novos turistas. Logo em seguida ele me pediu meu telefone. Rita Cadilac da Ilha de Páscoa, esse foi meu apelido no dia. A minha amiga é ativista dos direitos humanos e ficou encantada com o conceito. A vila militar é linda e fica bem ao lado da cadeia. Policiais e presos convivem num espaço compartilhado. Mas a pergunta é: quem é capaz de cometer um crime numa ilha que respira paz? E que tipo de crimes seriam esses? Isso eu não posso responder.
 
Quarto dia. Mergulho na praia de Anakena. Aquele azul deslumbrante, com a vista para o ahu que a equipe do Jacques Cousteau ajudou a descobrir em 1976. E não sei disso pela internet... Sei disso por Henry Garcia, francês, dono da Orca (operadora de mergulho), que fez parte da equipe de Cousteau e acabou se apaixonando pela ilha (e por uma rapa nui, eu acho) e nunca mais abandonou aquela terra. Criou ali o seu sustento baseando-se nos seus eternos princípios de adoração ao mundo marinho. E, claro, eu o conheci. Aliás, eu o irritei durante uns três dias com todas as minhas perguntas a curiosidade para saber mais sobre o meu ídolo Cousteau. Optei por esta operadora (são três na ilha) exatamente para conseguir a chance de ficar perto de alguém que fez parte dos meus sonhos de infância e que realizou as coisas que meu lado oceanógrafa ainda sonha... Quanto ao mergulho, foi bacana. Acabei por apadrinhar meu amigo mineiro, que caiu nas águas com cilindro pela primeira vez. Muitos corais, alguns peixes e aquela eterna sensação do “mundo silencioso”. Cousteau esteve ali, isso é o que me importava (assim como foi no cenote no México). À tarde, fomos até o museu da ilha, onde pudemos ver um dos 6 moais femininos já encontrados.
 
O dia seguinte amanheceu nublado. Mas não me impediu de caminhar e desvendar outros pontos da vila. À tarde me deitei perto do ahu da vila (próximo ao Tahai, o mesmo do primeiro dia) e li um livro. Poético, sim. Fiquei olhando pro mar, pro além, pros moais, pro tempo. Conheci dois chilenos da marinha, muito engraçados, e com meu espanhol improvisado demos boas risadas. Eles eram tão baixinhos que mais pareciam chaveirinhos perto de mim (eles mesmos disseram isso e fizemos umas fotos assim). Foi uma tarde de descanso, de contemplação, de constante espanto com os rumos que tomo na minha vida. De repente eu estava me dizendo: “ainda não acredito que estou aqui”. Mais um item da grande lista realizado. E ainda faltam muitos outros...
 
No último dia, fui à missa. A igreja da vila mistura estilos quase antagônicos. Na parede, um triângulo com um olho pintado. Seria algo da maçonaria? Os pássaros sagrados da cultura rapa nui circulavam as imagens da igreja católica, demonstrando o respeito à religião dos nativos, donos da terra. Quanto ao rito em si, uma coisa de arrepiar. Não sou das mais assíduas às cerimônias religiosas, mas é lindo ver as palavras católicas sendo repetidas ou afirmadas em cânticos rapa nui. Por sorte, sentei-me bem perto do líder da religião rapa nui, que cumprimentava a todos que chegavam e que repetia com a voz firme as expressões de sua religião (como se falassem “amém” a cada item celebrado). Foi uma despedida importante deste cenário tão místico e cheio de histórias...
 
De volta ao continente, observando a neve branca na Cordilheira dos Andes, pouco me restava: o livro pra terminar, as fotos pra rever e a dúvida constante... Eu estive mesmo lá? Eu fui realmente sozinha pra esse lado tão distante do mundo, o ponto mais ermo de qualquer ponto terrestre do mundo? Estou mesmo mais perto do Tahiti do que do Chile? Como o acordar de um sonho, em negação. Era tudo um delírio, mas muito rico em detalhes? Não, não era. Senti o colar que ganhei na despedida pendurado no meu pescoço, com um pequeno moai talhado em madeira. Sim, eu estive lá. E espero que outras expedições como essa permeiem minha vida, me lembrando constantemente da magia que me toca que só o conhecimento de outras culturas permite. Que Deus (seja ele católico, rapa nui ou qualquer outra opção) me dê memória o suficiente pra não me esquecer dessa experiência.
 

21/11/2011

Quem somos nós?


por Jacques Yves Cousteau

“Como todos os seres humanos, nascemos no coração da mãe-terra. Temos braços e pernas. Passamos grande parte da nossa vida na posição vertical, que nos dá uma maior autonomia e um maior conforto na terra. Vistos superficialmente, somos iguais a todos os seres humanos. Mas analisando um pouco mais a fundo, alguma coisa nos faz diferentes. Nascemos com os olhos acostumados ao azul das águas. Temos um corpo que anseia pelo abraço do mar.


Somos homens e mulheres de espírito inquieto. Buscamos na nossa vida mais do que nos foi dado. Passamos por grandes provas para aproximar-nos dos peixes. Transformamos nossos pés em grandes nadadeiras, seguramos o calor do nosso corpo com peles falsas e chegamos até a levar um novo pulmão em nossas costas. E tudo isto para quê? Para podermos satisfazer uma paixão. Um sonho. Porque nós, algum dia, de alguma maneira, fomos apresentados a um mundo novo. Um mundo de silêncio, de calma, de mistério, de respeito e de amizade. E esta calma e este silêncio nos fizeram esquecer da bagunça e da agitação do nosso mundo natal. O mistério envolveu nosso coração sedento de aventura. O respeito que aprendemos a ter pelos verdadeiros habitantes desse mundo, respeito esse que, só depois de ter sentido a inocência de um peixe, a inteligência de um golfinho, a majestade de uma baleia ou mesmo a força de um tubarão, pudemos compreender.


E a amizade? Quando vamos até o fundo do mar, descobrimos que ali jamais poderíamos viver sozinhos. Então levamos mais alguém. E esta pessoa, chamada de dupla, companheiro ou simplesmente amigo, passa a ser importante para nós. Porque além de poder salvar nossa vida, passa a compartilhar tudo o que vimos, tudo o que sentimos. E de duplas, passamos a ter equipes. E estas equipes passam a ser cada vez mais unidas. E assim entendemos que somos todos velhos amigos, mesmo que não nos conheçamos. E esse elo que nos une é maior do que todos os outros que já encontramos. E isso faz de nós mais do que amigos; faz de nós mais do que irmãos. Faz de nós. Mergulhadores".


Jacques Yves Cousteau (11/01/1910 - 25/06/1997)

18/11/2011

O Próximo

Existem duas formas de encarar a vida. Ou você vive esperando pelo amanhã ou você deixa o amanhã esperando por você. Prefiro a segunda opção em quase tudo que faço, claro, considerando aquilo que só depende de atitudes minhas. Agora... depender do próximo, é dureza. Depender do passo alheio me deixa desnorteada, afinal, sou uma eterna controladora dos meus passos. Não sou tão perfeccionista, acreditem, mas sou mesmo obcecada pelo “conhecido”. Esse papo de que o “desconhecido” é mais emocionante não aplica aos meus dias.
 
A gente insiste em achar que o outro vai agir como gostaríamos, ou vai agir como agiríamos. A gente esquece que somos diferentes em detalhes e muitas vezes são esses “mínimos detalhes” que mudam tudo. Seus gostos, seu estilo, seu jeito de ser, sua criação, sua referência, seu caráter. Tudo isso muda de cara pra cara, de gene pra gene. E ainda assim nos decepcionamos. Mania de nos iludirmos com a perfeição alheia, nos gestos, no bom senso e nos sentimentos. Eu insisto em trombar com gente assim, diferente demais de mim, e olha que estou longe de ser a perfeita boa samaritana.
 
Mas não dá, não consigo evitar a avaliação do absurdo, a punição da desonestidade, a descrença na transparência. Poucas vezes na vida eu me vi querendo de fato excluir gente da minha convivência. Normalmente faço isso naturalmente, sem muito esforço e muito menos sem peso na consciência. Mas quando faço porque é preciso, porque o outro me invade, me fere e me decepciona, aí sim fica difícil ser a pessoa pacífica de sempre. Fica difícil ser racional, pois neste tipo de caso, minha cabeça entende (“o ser humano é fraco e corruptível por natureza”), mas meu ego não (“não acredito que permiti que a corrupção se aproximasse de mim com a minha própria permissão”). Meu ego e meu coração, pois é difícil excluir da nossa pessoas em que apostamos e confiamos.
 
Quando o seu amanhã pode ser imprudentemente invadido pelo próximo, aí a coisa fede. Merda no ventilador. Não se deixar atingir pelas ações alheias é um enorme desafio pra mim, pois sou extremamente permeável. Não me separo das realidades alheias como se estivesse em uma bolha. Fagocito o mundo ao meu redor. Vivo em constante osmose quanto ao que gira lá fora. E aí acabo descobrindo que me irrito com uma felicidade criada em cima de um fracasso, me irrito muito mais do que gostaria. E resolvi escrever na esperança de tirar isso do meu pensamento e organizar as idéias, que estão exaustas disso tudo.