24/07/2012

Você Nunca É

Você nunca é bom o suficiente. Por uma razão simples: você nunca é o que o outro projeta. E o pior: por mais que você se esforce, nunca será perfeito. Nunca será a pessoa ideal, o filho ideal, o namorado ideal, o empregado ideal, o chefe ideal, o professor ideal, o amigo ideal, o irmão ideal, o pai ideal, o escambau do ideal. Nada que você faça, por mais que faça todo santo dia, por mais que você se esforce pra ser o seu melhor, jamais será o suficiente pra ele, pra ela, pra qualquer um. Talvez só sejamos bons ou quase tão "bons demais", para nossos concorrentes, ou nossos inimigos, ou nossos malfeitores. E talvez seja o inimigo o único que possa nos ensinar a prática da virtude da compaixão e da tolerância, como disse o Dalai Lama. Eis uma intrigante contradição. 

A questão é que você sempre está fazendo mais do que deveria quando pensa no quanto ganha todo mês (no seu ponto de vista), mas deveria ser mais pró-ativo, inovar e provocar mudanças com resultados (no ponto de vista do seu líder), enquanto poderia estar trabalhando em outro lugar que te pagaria melhor (no ponto de vista do mercado).  Enquanto você acredita que realmente está fazendo a diferença, é reduzido ao pó. Enquanto você salta troncos de árvores, dizem que você tropeça em palitos. Ou que você sempre parece ser sempre o filho ingrato porque não diz obrigado todo dia (no ponto de vista dos pais), enquanto se esforça pra ser independente, ser um bom profissional, não levar problemas pra casa e só dar notícias boas (no seu ponto de vista, isso é sucesso, a melhor recompensa pelo investimento), mas para outros você é o filho relapso, grosseiro, sem paciência, desligado e que não divide com a família suas questões (no ponto de vista dos apegados).

Talvez você seja o mais ausente dos amigos porque não pode estar presente nos eventos nos horários que são mais convenientes para todos, mas não são mais tão fáceis pra você, e automaticamente seja excluído de tudo porque amizade só faz sentido se for presencial mesmo no mundo virtual de hoje (para os mais antigos), mas a questão é que você continua tentando dizer que está ali, pronta pra ajudar quando for realmente necessário e que nem por isso quer deixar de ser participado das boas notícias ou dos problemas para poder ajudar (no seu ponto de vista de quem não é onipotente e muito menos onipresente). E ainda por cima você não pode ser a namorada perfeita da televisão, pois você não gosta mesmo de academia, tem opiniões diferentes, não nasceu pra ser Amélia, tem outras prioridades para administrar ao longo do dia e equilibrar com uma vida emocional saudável sempre que possível (no seu ponto de vista), mas claro, você pode ser egoísta, egocêntrica, radical, teimosa, fria e quase ausente quando nem tudo gira ao redor do ente amado (no ponto de vista dele, acostumado a esperar a mulher perfeita que não existe). 

Se você quer que os outros sejam transparentes e honestos, quer que tomem uma atitude e assumam uma posição, você é o rebelde e indisciplinado. Você é o líder do motim enquanto os outros, residentes do país "em cima do muro" preferem não levar o problema à tona. Ora, quem não leva problema, mas não leva solução, pelo menos sai no zero a zero! Mas claro, se você prefere discutir, resolver, você não é bom o suficiente, pois demonstra que todos somos frágeis e pecamos nos mesmos pontos: sejamos filhos ou pais, empregados ou patrões, donos ou locatários, em qualquer uma das posições. Você nunca é, baby, nunca é...

Ou você é o cachorro perfeito ou não é. Ou você é o artista perfeito ou não é. Ou você é o cientista perfeito ou não é. Isso não existe. Mas... Se você ajuda muito, está com tempo sobrando. Se você sabe demais, é um risco. Se você pergunta demais, incomoda. Ou você é do jeito que o outro quer ou não é. Mas só é perfeito pra quem está na disputa, nunca para quem te observa ou para quem deveria se colocar no seu lugar. Retornamos ao ponto mencionado pelo Dalai Lama: a compaixão. A gente espera do outro a perfeição, mas não queremos que esperem de nós que o sejamos. A gente nunca é, simples assim. É assim todo dia, pra qualquer um, sentado em cima do próprio rabo. 


17/07/2012

Mindset da Ruptura

Crescemos acreditando numa série de circunstâncias históricas, psicológicas e emocionais que perdemos o hábito de exercitar nossa própria liberdade de pensamento. Somos tão cartesianos e moldados pela nossa geração, que não nos permitimos ser atemporais, livres para propor novos modelos mentais sobre a vida, sobre os relacionamentos e sobre os planos para o futuro. O resultado é que todas as gerações que antecederam a minha (chego aos 30 em breve) provavelmente se sentiriam perdidas se lhes fosse concedida a verdadeira liberdade: para agir, para pensar, para ser. 

Sou de uma geração limítrofe, aquela que começou a sofrer com a mudança e que aos poucos tem acesso ao mundo de verdade. Estamos descobrindo as verdades antes encobertas e que jamais aprenderíamos nas escolas. Assim como ouvi hoje, nas práticas palavras da consultora Denise Eler, "fomos durante muito tempo criados para pensar na solução dos problemas, mas não para criá-los, discuti-los, analisá-los como parte do processo de aprendizado". E agora resolvemos nos abrir para estes questionamentos: os por quês, para onde, de onde, para quem? Vieram em ondas incontroláveis na ponta da língua dessa tal Geração Y que muitos julgam insuportável. Mas não é assim que realmente chegamos à compreensão dos fatos? Se partimos direto para a solução, num pensamento matemático frio e sem contexto, não deixamos de lado o lado humano da coisa? 

Durante muitos anos, a sociedade, a economia e as pessoas pensaram que a solução para tudo estava na razão, na ciência, pura e lógica. Mas vamos citar aqui uma situação histórica que mudaria a forma de pensar de todos nós, cartesianos, darwinistas, tayloristas, fordinianos puros, steve jobinianos ao quadrado que somos. Em meados de 1433, bem antes dos anos dourados da marinha mercante européia que nos colonizou lá pelos anos de 1500, você saberia dizer quem era o país que detinha a frota mais moderna de navios navegando pelo mundo? Em algum momento nas salas de aula você ouviu algo diferente de Espanha, Portugal, Inglaterra, França... Talvez os árabes? O poder era dos chineses, com seus magníficos navios com velas vermelhas. Só não fomos colonizados por chineses pois o imperador que impulsionava o domínio além das muralhas chineses faleceu repentinamente e o novo governante, por algum motivo, decidiu voltar-se novamente para a China dentro dos velhos muros. Eis que assim a história, como num imenso tabuleiro, criou o mundo tal como conhecemos hoje. E você ainda insiste em acreditar que nunca foi enganado pelas teorias alheias. Os nossos livros apenas nos ensinaram a versão dos fatos que nossos antepassados europeus queriam que fosse contada... E assim pouca gente sabe que os chineses não estão apenas invadindo o mercado de hoje, mas já fazem parte da história há séculos. 

O que a China tem a ver com isso? Os chineses hoje pensam "fora da caixa". Basta pensar na velocidade. Os orientais, de uma forma geral, já conseguem se abrir para a mudança. Talvez porque eles tenham aprendido com sua própria história a superar inúmeras crises, de diferentes tipos e seriedades. Da bomba atômica aos governos vermelhos. A questão é que os modelos ocidentais ainda pensam nos moldes da era industrial, como se a melhoria contínua ainda fosse suficiente para seguir adiante. O mundo mudou, pois as pessoas estão mudando. E por este motivo pensar diferente é uma questão de sobrevivência: não bastar melhorar, é preciso mudar. Uma melhor prática, a gestão do conhecimento por si só - não basta no que alguns chamam de "era conceitual". Enquanto você ainda entende na faculdade sobre a Sociedade da Informação, sinto muito, o bonde passou assim como os navios dos chineses se perderam na história - estamos vivendo outro momento. Estamos no momento em que a melhor prática é substituída pela nova prática - ruptura. A história mudou drasticamente pois é preciso ser veloz, é preciso ser diferente e inovador. 

E aí voltamos aos benditos insuportáveis da geração Y, ou qualquer letra que seja. Estamos falando daqueles que estão impacientes, que não conseguem manter o foco numa coisa só por muito tempo, que querem pensar a curto prazo, que querem ver a ação. Assim como as empresas que são flexíveis e se ajustam à demanda do mercado, ou seja, aos desejos das pessoas, são exatamente as empresas que irão sobreviver aos ciclos de crises cada vez mais curtos e constantes que a nova economia irá estabelecer. Para se manter no mercado, será necessário estabelecer-se como inovador por excelência. A grande questão é quem estará mais aberto a pensar "fora da caixa": nós, que aqui estamos e por vós esperamos? Será que existem vantagens ou desvantagens entre o modo de pensar e agir ocidental / oriental? Ou "ser inovador" é uma característica pessoal e intransferível? Steve Jobs conseguiu formar substitutos a longo prazo? Pois o antigo imperador chinês levou consigo todo o destino de um país e do mundo, que hoje teria olhos puxados.

09/07/2012

O Tempero dos 30

Estou chegando aos 30. E não sei até agora onde foi parar meu medo das rugas, meu horror aos cabelos brancos, os tais arrepios de frente para o espelho. Ainda não entrei em pânico pelos motivos que convém, ou deveriam, a uma "garota de quase 30". Sim, pulei algumas etapas antes dos 30 e por isso já estou escolada em assuntos como casamento, divórcio, perda e reparação. A verdade é que as mulheres de hoje deveriam se dar o direito de errar mais, antes dos tais decisivos 30. Afinal, só provando o sabor é que se sabe se o amargo realmente não lhe cai bem. Quem é que disse que não gosto de pimenta? E não tem gente que chupa limão?

Eu nasci para o sal, mas pouco temperado. E de vez em quando, o agridoce. É o que me cai bem, é o gosto que combina com meu paladar. Não sei viver de outra forma. E por isso talvez eu tenha alcançado os 30 já consciente de algumas pedrinhas de sal grosso que a vida nos empurra. Não que eu não tenha experimentado a pimenta - mas sei que não me cai bem. E o azedo, esse nunca me apeteceu, não precisei cair nesse buraco para saber que ele era fundo. Mas quanto àquelas pedras de sal, esperei cada uma delas se derreter, de um jeito ou de outro: na minha boca, na umidade do tempo, na chuva, na água. Aos 30, você já sabe como reagir. 

Mas a questão é que não cheguei aqui com o peso do sal, mas sim com a sensação de um grande mar dentro do peito. E por mais que eu já tenha uma certa intuição sobre meu destino, não acho que salgar esse peixe seja assim uma ideia tão ruim. A vida me parece curta demais quando penso que já gastei 30 fichas em apostas das quais mal me lembro, que só tenho certeza de que vivi quando olho para as fotos, diários e cartas. Que memória fraca! Para o bem e para o mal! Sem rancores, meu amor. Sem rancores antes, sem rancores depois - leve, como o sal ao vento. 

Eu espero que meus próximos 30 sejam merecidos. Sejam do tamanho exato que preciso para viver o que me cabe, do jeito que tem que ser vivido: com intensidade, com força, com vontade. Que aos 40 eu ainda me sinta com 26, como me sinto hoje com 23. E que aos 50, se eu tiver coragem para fazer uma cirurgia plástica e disfarçar umas rugas, eu me sinta com 30, por dentro, não por fora. Afinal, ainda vale a pena tirar as rugas para evitar as fofocas que o espelho espalha. Maldito seja! E que aos 60 eu me pareça com minha mãe, com a sorte de que tomei menos sol do que ela (fato), com uma energia insuportável para acordar cedo enquanto eu aos 30 simplesmente quero ficar na cama até mais tarde. E que aos 70, 80, quiçá 100, eu me sinta uma vitrola, rodando, ainda que cambaleando, rindo da vida, mas tocando sempre. 

Ah, a morte. Quem é que te disse que a gente só morre quando envelhece, meu amor? A gente morre todo dia, mais um pouquinho... Enquanto você desperdiça seu tempo, não vê que perde mais uma rodada do jogo... E fica aí, se lamuriando porque tem "30". Que diferença faz? Quem é que te disse que seu contrato não vence amanhã? Quem é que te garante que você não está condenado a ser o último dos seus amigos a partir, a ver todos irem embora, um a um? Lembre do que falei, meu amor - sem rancores, sem rancores. É a regra da vida, goste você ou não deste tempero. Só não espere que a vida seja doce demais: enjoa!