27/01/2011

Elen Freud Separatista

Quando a mente está vazia, acaba virando hotel 5 estrelas pra idéias erradas. Então, enquanto o tempo permite, é melhor ocupar sua cabeça com as coisas mais difíceis de entender. Adotando esta postura, acabei lendo Freud, racionalização a separação. Não falo da minha, falo no geral: o exercício do desapego, de não projetar a sua felicidade no próximo, convertendo-o em uma droga viciante. Falo de parar de culpar o próximo por sua infelicidade, quando a culpa é em parte sua por ter transformado o outro em uma fantasia de ser perfeito. Ame ao próximo com a mesma cobrança que tem de si mesmo, sabendo que todos tempos defeitos e de que todos estamos sempre ameaçados pela possibilidade do erro.


Escrito por: Elen de Paula Ferreira
Psicanálise & Barroco em revista v.8, n.1: 56-97, jul.2010 80
Seguem alguns trechos extraídos de A SEPARAÇÃO AMOROSA: UMA ABORDAGEM PSICANALÍTICA.

Pode-se dizer a partir das reflexões propostas por Freud que a paixão se encontra dentre as doenças narcísicas, pois o sujeito busca alcançar sua completude através de um objeto idealizado. Devemos considerar que as relações amorosas da vida adulta têm como modelo às experiências vivenciadas na infância, por isso, o indivíduo revive não só os amores e os cuidados obtidos, mas também o sofrimento e o sentimento de desamparo.

Por outro lado, a tentativa de encontrar a felicidade através do amor é fracassada, uma vez que, justamente quando amamos é que nos achamos mais indefesos contra o sofrimento, e além do mais, quando perdemos o nosso objeto amado ou o seu amor nos sentimos desesperadamente infelizes.

Segundo Freud em Sobre o narcisismo: uma introdução (1914), as escolhas amorosas da vida adulta são uma atualização da relação primária com as figuras parentais. Para o autor, a busca pelo objeto de amor representa uma tentativa do indivíduo de recuperar seu narcisismo infantil perdido a fim retornar à sensação ilusória de onipotência e completude vivenciada em sua relação primitiva com seu cuidador.

No caso das mulheres mais belas, o narcisismo é aumentado, o que é desfavorável para estabelecer-se uma verdadeira escolha objetal acompanhada de uma supervalorização sexual do objeto. Freud ressalta que, a necessidade destas mulheres aponta não no sentido de amar, mas de serem amadas.

O Eu fica dilacerado entre o imensurável amor pela imagem do objeto que se perdeu e a constatação lúcida da falta real desse objeto. O despedaçamento, que antes se situava entre o amor excessivo dedicado a uma imagem (contração) e o esvaziamento, agora se localiza entre a contração e o reconhecimento do caráter irremediável da perda. Deste modo, o eu ama o objeto que permanecesse vivo em seu psiquismo, e, ao mesmo tempo sabe que ele não retornará.

A fantasia do amado tem como função impedir o desejo de chegar à satisfação plena. É ela quem instala a insatisfação e garante a estabilidade do aparelho inconsciente. Desse modo, podemos dizer que a fantasia nos protege do que seria o caos pulsional, ou seja, o risco que ocasionaria uma agitação desmedida do desejo.

Devemos considerar que uma das maiores dificuldades para que a elaboração do sofrimento resultante da separação amorosa seja realizada é que apesar de não existir mais nada que ligue aquele que ama ao seu objeto, a presença deste ainda se mantém na consciência daquele. Fazendo com que o individuo tenha que “matar” dentro de si a imagem daquele objeto ora idealizado por ele. Porém, o processo de elaboração do sofrimento resultante da perda do amado (luto) é gradativo e pode ser superado depois de determinado tempo (Freud, 1917).

De acordo com Freud, a paixão se encontra dentre as doenças narcísicas, pois o sujeito busca alcançar sua completude através de um objeto idealizado. Ainda segundo Freud, nós seres humanos somos ameaçados pelo sofrimento a partir de três aspectos. O primeiro deles relaciona-se ao fato de o nosso corpo ser condenado à decadência e a dissolução; o segundo diz respeito às forças de destruições esmagadoras e impiedosas do mundo externo que podem voltar-se contra nós; e o terceiro, que talvez seja a fonte de mais intenso sofrimento, corresponde aos nossos relacionamentos com os outros homens.

A primeira meta, que pode ser considerada como sendo negativa, diz respeito ao fato de evitar qualquer sofrimento e desprazer. A meta positiva, por sua vez, corresponde à obtenção de intensos sentimentos de prazer. Dessa maneira, podemos dizer que nossas possibilidades de felicidade são bem mais remotas que as de infelicidade, uma vez que esta é experimentada com muito mais facilidade.

Segundo Freud (1930) cada ser humano tem de descobrir por si mesmo qual o caminho a ser seguido em busca da felicidade. Isso é uma questão de quanta satisfação real ele deve esperar do mundo externo, de até onde pode ser levado a fim de tornar-se independente dele, e, por fim, da quantidade de força disponível para alterar o mundo e adaptá-lo a seus desejos. Dessa forma, o estado de desamparo, no qual o apaixonado se encontra após a separação, deve ser considerado como originário, precedente ao surgimento da paixão amorosa, por isso, “a se-paração não resulta da paixão, ela a convoca”.

Freud ressalta que embora o luto acarrete vários afastamentos daquilo que é considerado como uma atitude normal diante da vida, jamais deve ser considerado como sendo uma condição patológica. Acredita-se que o luto seja superado depois de determinado tempo, e considera-se prejudicial qualquer interferência em relação a ele. Porém, a única característica que é inexistente no processo do luto, mas que é encontrada na melancolia é a perturbação da auto-estima.

“O sujeito melancólico sabe quem ele perdeu, mas não o que perdeu nesse alguém”. (p. 251) Uma outra diferença marcante entre os dois conceitos é que no luto o mundo externo torna-se pobre e vazio, já na melancolia o próprio ego é apresentado como sendo algo que se tornou vazio, desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível. Constata-se também um quadro de delírio de inferioridade no qual o sujeito se degrada perante todos esperando ser punido, além de insônia e recusa a se alimentar.

O sujeito tem que conviver com a dor desta morte devido à necessidade de sobreviver a ela e para garantir sua sobrevivência é necessário que faça com que o outro que vive dentro de si morra, além de ter que lidar com uma questão bastante dolorosa que é a de viver sua própria morte na consciência do outro. Ainda que o sujeito esteja vivo, ele é apenas um cadáver no outro. Assim, ambos os amantes pagam determinado preço, pois ao matar simbolicamente o Ego do outro, o próprio Ego também é destruído.

Neste sentido, para que encontre seu “lugar no mundo”, o Ego terá que construir novos ideais e trilhar por novos caminhos, mas por outro lado, deverá se sentir idêntico ao Ego anterior, e para que isto seja possível, deverá manter fora de si o principal daquilo que acaba de morrer. Dessa maneira, podemos dizer que a separação favorece de maneira bastante sutil a formação de ideologias.

No decorrer da elaboração da separação surge uma alternativa a indiferença. Referimo-nos aqui ao processo denominado de “fuga para adiante”, que se efetiva a partir do exercício de uma atividade permitida pela sociedade, como o trabalho, por exemplo, ou por uma mania por diversões. É comum que ocorra uma disposição, mesmo que secundária, a leviandade, através de uma atividade que proporcione satisfação.

O fato de negar a importância da relação anterior ao iniciar novas uniões só tem uma utilidade visível que é a de auxiliar na conservação da integridade do individuo, fazendo com que sua auto-estima aumente além de fortalecer o Ego. Assim, quando se diminui a fonte da recordação geradora de sofrimento, a nova fonte de prazer crescerá. Os apaixonados, que agora vivenciam esse sofrimento da separação, percebem em determinado momento que ao contrário do que acreditavam o objeto perdido não era condição a sua sobrevivência e por esse motivo podem seguir em frente.

Por fim, podemos afirmar que, para o homem suportar viver na limitação e conviver com a separação, ele precisa não só se desidentificar com o objeto de amor perdido, assim como vimos no processo de elaboração do luto, é necessário também que aquele que sofre a dor da separação faça uma tentativa de dar uma outra interpretação a sua própria vida a partir da construção de novos ideais.

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