03/05/2010

Desabafos de Herética


“Sgroft não me entende. Ele esquece minhas necessidades, esquece que eu gosto que me toque, esquece que sou atraente, esquece.” Em dias de lua minguante. “Sgroft não vê, mas tem quem veja. Sexo, ora, não custa nada. Ou você vem comigo ou vou sozinha. Sou uma águia. Não pense que você é o único no mundo, seu idiota.” Em dias de lua crescente. “Sgroft, as condições são simples. Basta você entender que ao entrar nessa jogada, você também investe 50%. O retorno é garantido, claro, desde que você sigla as cláusulas do parágrafo cinco, linha 7. Orgasmos serão constantes neste relacionamento.” Em dias de lua cheia. “Sgroft, quem era aquela do parque, como você pode fazer isso? Sgroft, eu também quero prazer. Você não me entende!!!! Sgroft, Sgroft, você está me ouvindo?” Em dias de lua decrescente.

Nenhuma destas frases é de fato parte de algum dos muitos diálogos e monólogos de Herética na peça que assisti ontem, indicação de um ente querido que sabe exatamente o que mexe ou não com minhas idéias. Se meu Tio Cotonho entendeu a profundidade daquele papo em minhas atuais circunstâncias, eu não sei. Aliás, efeito este que vem desde a semana passada, quando assisti “Simplesmente Complicado”. Hoje sou Herética, mas amanhã espero não ser.

Porque a vida é assim mesmo, simplesmente complicada. Relacionamentos humanos, especialmente os amorosos, são ainda mais esquisitos por natureza. Cada um fala uma língua, cada um vê o mundo do seu jeito, com olhos que mais parecem caolhos. Mesmo que fossem vesgos, quem disse que enxergar tudo com um único foco é de fato a solução? Já dizia o ditado: "Em terra de cego, quem tem um olho é rei". A verdade é que para essa doença chamada solidão, não há remédio, nem mesmo o amor. Porque solidão é sentir-se sozinho na multidão, como algum poeta já deve ter dito, e pior: é sentir-se sozinho consigo mesmo.

Herética, moderna, auto-suficiente, resolvida. Ainda assim precisa subir na cadeira, precisa se impor, anda pelas paredes quando se desespera, falar sozinha pra não pirar. Mulher é tudo igual, não adianta esconder. Temos várias coisinhas “diferentizinhas”, mas no fundo, ohhhh bicho difícil! Todas querem que tudo seja do seu jeito, não importa. Todas querem falar, pensar, entender, aproveitar, gozar só quando o sexo transcender o corpo. Quanta complicação! Eis a lição: simplifique.

Sgroft, macho dominante, exibido, simplista, quase despreocupado. Mas no fundo importa mais conquistar do que manter-se conquistado. Sem amarras, sem regras, satisfazendo-se com a vida superficial, com miudezas masculinas que pouco fazem diferença no final. Todos os homens são assim, não adianta fugir da natureza. Ohhh bicho difícil! Se é fácil, enjoa. Se é estável, é chato. Se é novo, encanta. Mas tudo é efêmero. Quanta ausência! Eis a lição: compareça.

Das relações humanas, sobra pouco. Se ainda vale a pena arriscar, isso é uma decisão sua. Viver na superficialidade pode ser um excelente caminho enquanto você é jovem, enquanto você ainda é carne fresca no mercado. Mas uma hora a fonte seca. Você resseca. E se for tarde demais para dar valor aos seus relacionamentos, notará que o tempo não volta e que suas chances não estão penduradas em cabides. Você não pode pegar a oportunidade de volta quando a vontade bater. Pois por mais que a vida seja sua, o mundo não o é. Muito menos o sentimento que o próximo lhe oferta.




O espetáculo “SGROFT, HERÉTICA OU NINGUÉM” da Carabina Filmes
Temporada no Teatro Marília, de 15de abril à 09 de maio,

A Carabina Filmes apresenta o espetáculo “SGROFT, HERÉTICA OU NINGUÉM”. Escrita e dirigida por Carlos Canela, a peça mescla teatro e cinema. Um homem e uma mulher se encontram para efetivar um negócio, e mergulham, através do trivial, do aparentemente filosófico e da metalinguagem, no mundo da superficialidade das relações humanas, do distanciamento entre as pessoas e do vazio resultante disso.

Classificação etária: 16 anos

Ficha Técnica e Artística:
DRAMATURGIA E DIREÇÃO: Carlos Canela
ELENCO: Jerry Magalhães e Suzana Markus
PREPARAÇÃO CORPORAL: Jeane Doucas e Fábio Furtado
TRILHA SONORA: Gilberto Mauro
PRODUÇÃO: Suzana Markus
FIGURINOS: Ricca
MAQUIAGEM: Elizinha Silva
CENÁRIO: Criação Coletiva
CENOTÉCNICO: Nilson Santos
FOTÓGRAFO: Guto Muniz
ILUMINAÇÃO: Marco Antônio Machado (meu padrinho lindo)
ILUMINADOR: Wladimir Medeiros [NUTAC]
ASSISTENTE DE CRIAÇÃO: Cristiano Medeiros
ESTAGIÁRIO DE ILUMINAÇÃO: Fernando da Silva
PROGRAMAÇÃO VISUAL: Suzana Markus
CONCEPÇÃO E EDIÇÃO DE IMAGENS: Carlos Canela

6 comentários:

  1. A propósito, quem quiser cortesia, me fale. A peça termina neste domingo, mas eu consigo entradas. Quinta a sábado, 20 horas. Domingo às 19 horas. Vale a pena ver, lembrando ainda que a iluminção é um show a parte!

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  2. Só uma coisa a dizer.... texto FANTÁSTICO!! e falo sem medo de parecer cafona tá? kkkkk
    A maneira como trouxe a estória da peça para as "atuais circunstâncias" foi muito bacana,isso sem falar na sua criatividade e sensibilidade!:)

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  3. Teca e pessoas! Tenho cortesias de quinta a domingo para essa peça, quem se interessar, me falem data para eu colocar o nome da portaria! Bjus

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  4. A peça realmente é excelente, mas o seu texto também não fica atrás Ana. Parabéns para você também, por esta leitura sobre o espetáculo e sua relação com nossas vidas!

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  5. Marco, bem vindo! Como chegou a este blog e a este texto? Essa internet sempre me assusta! Obrigada pelo elogio.

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  6. Você é uma escritora nata! Mas tem que deixar de ser somente uma narradora inteligente e um pouco irônica das situações auto-referentes, e passar a ser criativa, no sentido de criar seu próprio caminho de felicidade! Beijos.

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