23/02/2012

Infância bem vivida

Quando eu era criança, mas nem tão pequena assim, me divertia na caixa d´água do prédio em que eu morava nos dias em que tínhamos que lavar a bendita. Até hoje não sei como minha mãe tinha coragem de nos deixar nadar naquele lugar, beirando o topo do prédio. Adulta que sou hoje, não sei se eu ia achar tão natural ficar rodeando aquela beirada como se fosse a dois palmos do chão. Deus, como já estivemos imperceptivelmente expostos ao risco! E só isso me incomoda quando tenho essa memória hoje. Não penso na época de vacas magras, nem de diversões aparentemente mixurucas, muito menos na suposta ausência de luxo ao se divertir na caixa d´água do prédio. Por sinal, eu era bem mais corajosa do que talvez eu seja hoje!
 
Naqueles tempos, subíamos no teto do terraço sem pensar na altura a que estávamos expostos. Não interessava a que distância estava o chão. Só nos interessava o quanto estávamos mais próximos do céu azul, que nos esperava para mais uma de nossas aventuras, fossem elas imaginárias ou reais. Podíamos nos divertir às custas de uma simples pipa, feita do papel mais barato, ou de mundos criados daquela matéria-prima que o dinheiro não compra e nem manda buscar. Viajávamos em nossa nave espacial feita de cacos recolhidos na rua, lixo reciclado em sua mais pura essência, convertido em brinquedo clássico. Paredes pintadas de azul e amarelo, restos de tinta aproveitados e sem permissão, indicando computadores que já eram holográficos em nossas ideias.
 
De cabos de vassoura convertidos em espadas e bastões, de placas de madeira convertidas em escudos e armadura, a portões imaginários, passagens secretas pelo espaço, civilizações inteiras esperando por nós em outros planetas, poderes concedidos a cavaleiros nomeados por constelações. A gente não tinha medo de altura! A verdade é que a gente não tinha medo de nada, de monstro algum, de lugar algum, de risco algum, de qualquer desafio - a gente nem sequer tinha medo do futuro. Éramos mais criativos, mais corajosos, mais honrados (provavelmente) e mais leais aos nossos propósitos. Só queríamos viver aquela aventura, mesmo que durasse apenas uma rápida tarde de sol, num terraço de um prédio numa cidade do interior, sem muitos recursos. Ainda assim, éramos gigantes.
 
E talvez por isso nós sejamos quem somos hoje, cada um em seu canto, seguindo sua vida já saciados de sua quota de aventuras descabidas. Fato é que não somos mais aqueles heróis com nomes folclóricos, guerreando para proteger povos e terras. Somos heróis de nossa rotina, real, de pés no chão, seguindo nossos rumos tão diferentes de nossas antigas funções naquela nave espacial. Talvez tudo tenha servido para nos ensinar a valorizar o que temos hoje em nossas mãos, o que alcançamos através de nossos esforços, a cada passo. Não chegamos aonde estamos por sorte ou acaso. Tivemos nossa parcela de trabalho e culpa. Fizemos por onde. Talvez isso explique como eu me sinto em casa mesmo estando diante de coisas tão magníficas... porque eu já as conheço de viagens anteriores, daqueles tempos, em que eu apenas sonhava com aquilo, acordava naquele terraço, mas já decorando cada pedacinho do que estava por vir.
 

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