03/06/2011

Madeira sem Verniz

Estive ausente. Talvez menos carente em 29 dias, mas muito carente num desses domingos da vida.  Um chororô desenfreado, mas daqueles que te deixam aliviada no dia seguinte. Você até vai trabalhar de olhos inchados, mas finge que dormiu mal e pronto. Você resmunga durante toda a madrugada sem saber o motivo, sofre como se o peito estivesse sendo espremido por uma bigorna. Mas não há bigorna que pese por mais de 24 horas quando você está simplesmente “equilibrada”. Não há lobo nesta estepe. Não há madeira brilhante quando só se é tronco de árvore.
 
Nestes poucos dias de minha ausência no ano, eu me permiti sensações diversas. Ouvi música celta, com violino, sapateado, gaita de fole e roupas dos anos 80. Frenéticos, cativantes, energizantes. Você sem querer bate os pés junto, sente os tornozelos girando ou balança a cabeça na mesma cadência forte da música irlandesa com timbres de bruxa e tabernas medievais. Não adianta: você se transporta, você se contagia. Celtic Legends me permitiu, de uma certa forma, cumprir a minha promessa de ver de perto os passos malucos do Lords of The Dance.
 
Também assisti a um espetáculo de dança moderna, com bailarinos com pés presos em esquis de neve em pleno palco. Atletas da trupe italiana que misturam esporte, dança e limites físicos. Nada se compara aos 4 malucos com roupa de esquiar, mas o espetáculo é no geral uma prova de que sabemos muito pouco sobre o limite dos nossos próprios corpos de carne e osso. Katakló é a prova de que podemos ir além da lei da gravidade, desde que não a contrariemos.
 
Caminhando nessa seqüência Cult, vi Jack Jonhson tocar umas 18 músicas para um público jovem que nada tem de ambientalista como o cantor. Muito menos do espírito surfista, contemplador da natureza. Mas todos estavam ali em paz, ouvindo músicas leves e felizes, falando sobre coisas da vida de qualquer um de nós. Sobre ter esperança, sobre estar sozinho, sobre como é bom compartilhar, sobre panquecas de banana. Não tocou o repertório predileto da minha mãe, mas confesso que pra mim foi ótimo descobrir músicas como: “You and Your Heart”, “Hope”, “To the Sea”, “The Sharing Song”. Quando estávamos indo embora, passamos pelo transporte da banda e o pianista Zack estava com o nariz pregado na janela da van, fazendo graça para o público. E não é assim que a vida tem que ser?
 
Direto de Bravura Indômita, descobri que “eu não envernizo minhas opiniões” como a jovem de 14 anos, Mattie, de tranças e chapéu. Não tenho alma de pistoleira, se é que me entendem, mas costumo ser certeira nas balas que atiro com a língua. Língua difícil de comandar, pois me falta controle pra filtrar o que penso e não falar o que falo. Não amacio o que penso e acabo atirando duros raciocínios a quem não tem capacidade de absorver a sinceridade e a objetividade neles contidas. Mas como posso ser diferente de como eu acho certo ser?
 
Contei tudo pra Edwiges, e ela não é uma amiga invisível. Ela simplesmente me ouve e sofre junto comigo. Ela me fornece aquelas santas fórmulas homeopáticas que, acreditem, seguram a minha onda. E a onda é grande, quase sempre é de afogar qualquer um sem salva-vidas. Ela me disse: “A consciência é falada, não é mesmo”? E daí percebi que sim, porque só quando nos expressamos é que nos comprometemos com nosso posicionamento diante dos fatos. Sabe o que ela me receitou: “Quero que você fale ainda mais, mas sem sofrer por isso”. E aqui estou com meus 4 vidros de bolinhas doces com uma programação apertada. Vou sonhar colorido, dormir bem, gripar menos, falar mais sem morrer por isso. Um milagre!
 
E hoje? Hoje estou assim, normal, com a cabeça no lugar (em cima do pescoço) e prestes a mais um final de semana daqueles bem intensos. Um final de semana no passo de um sapateado irlandês, com as cores de um cenário teatral, com a alegria sutil das ondas do mar e com segredos homeopáticos me espiando de longe. Como se fosse outra de mim, sugada do momento real e transportada para um mundo paralelo, saltando cordas e buracos negros. Simples é nascer. Simplesmente é viver. Difícil é viver envernizada. Dificilmente vou segurar o que penso.
 

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