30/12/2013

As nossas vidas secretas

Olá, meu nome não é Walter Mitty, mas poderia ser. Quantas vezes não nos sentimos empurrados pela roda da vida, tomando decisões responsáveis para sobrevivermos nesta selva? Quantas vezes já acordamos pensando nas contas do fim do mês, vivendo a curto prazo, só para que nenhuma engrenagem pare de funcionar devidamente? Quantas vezes você não se sente pequeno diante de um mundo de possibilidades, reduzido à jornada de um trabalho que estava longe de ser o seu plano inicial?

Eu não era skatista, mas já sonhei com uma vida dedicada ao mar. Eu preferia meus patins, se isso vale de alguma coisa. Mas o que fazia diferença eram os planos, os quais foram engolidos pela rotina. E pelo destino. Fato é que você tem que decidir em minutos algo que irá afetar toda a sua vida a longo prazo, o que não é de fato muito justo. A gente acaba fazendo o melhor que pode, mas não o que podia ser feito de melhor. Daí é um passo a você se achar muito parecido com Walter Mitty, o cara que cuida dos negativos de uma revista, mesmo em tempos de câmeras digitais.

Sinto muito. Eu guardo todos os meus negativos. E sinto falta das antigas câmeras, quando você nunca sabia o que esperar da revelação dos filmes... Assim como o personagem de Sean Penn, também aprendi ao longo destes anos que mais vale viver o momento do que tirar mil fotos daquela paisagem que te tira o fôlego. Resultado deste aprendizado: reduzi consideravelmente o número de fotos que faço durante minhas viagens, algo que a gente só aprende depois de muitos anos. Afinal, também descobri que minha memória é preguiçosa e tenho mania de guardar somente as imagens que registrei, e não o que vi em 360 graus.

A sensação que tenho é Walter é meu reflexo, congelado pela vida real. Por mais que eu tenha me prometido viajar pelo mundo, me sinto limitada. Porque não posso ir quando bem entendo, e nem tenho dinheiro pra ficar durante o tempo que pretendo. Porque não posso chutar o balde de uma vida "certinha" sem antes me planejar, o que também é coisa de gente com juízo. Não dá pra acordar amanhã e comprar uma passagem pra Cidade do Cabo, só pra salvar pinguins sem ser paga por isso. E isso é triste. Ou melhor, isso é Walter Mitty, preso no padrão de vida capitalista ao qual todos estamos condenados. 

E não é um discurso hipócrita: claro que gosto do meu teto, do conforto, do meu dinheiro no final do mês. Mas fato é que os rumos foram definidos sem que houvesse tempo para ponderar o que realmente faria eu me sentir completa, realizando aqueles velhos sonhos. Agora, pra chegar perto daqueles planos, eu tenho que ir com calma, passo a passo, resiliente. Aliás, resiliência foi um exercício diário ao longo de todo esse ano. Como se eu estivesse todo santo dia me preocupando somente com a foto da última capa da Revista Life (como no filme). 

Como se não bastasse, Sean faz com que Walter viaje sem destino, por um objetivo quase pessoal. Disposto a ir onde fosse preciso, superando a si mesmo, deixando para trás todos os seus "pré-conceitos" sobre a vida. Pra aprender a sentir a vida e viver o mundo, como diria o verdadeiro fundador e editor da Revista Life: "Ver coisas a milhares de milhas de distância, coisas escondidas atrás de muros e dentro de quartos, coisas perigosas por vir" - Henry Luce - 1936. 

O filme é leve e posso apostar que pra muita gente vai ser "só mais um filme". Bom, se você está totalmente conformado com quem você é hoje, em que você se transformou, fato é que nada neste conto irá dizer algo a seu respeito. É um filme pra quem sente que falta algum pedaço, que deixou para trás alguma realização que mudaria sua vida, que não sabe hoje como mudar o curso de toda uma vida de responsabilidade e compromisso. É um filme pra quem tem medo de nunca estar "estampado" na capa do seu próprio livro de memórias, por ter sido coadjuvante de toda uma vida. 


A vida secreta de Walter Mitty: Walter (Ben Stiller) é o responsável pelo departamento de arquivo e revelação de fotografias da tradicional revista Life. Ele é um homem tímido, levando uma vida simples, perdido em seus sonhos. Ao receber um pacote com negativos do importante fotógrafo Sean O'Connell (Sean Penn), ele percebe que está faltando uma foto. O problema é que trata-se justamente da foto escolhida para ser a capa da última edição da revista, que está em transição para uma publicação online. Walter, com o apoio de Cheryl (Kristen Wiig) é obrigado a embarcar em uma verdadeira aventura que irá mudar a sua vida.

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