17/09/2014

A crueldade do fim

Você leva meses para aceitar uma nova pessoa em sua rotina, em seus cuidados, em sua vida. Você leva anos para compreender os defeitos, agradecer pelas qualidades e se adaptar aos momentos instáveis. Você leva muito tempo para se sentir seguro, confiar e deixar de lado o peso da solidão. Mas aí você de repente precisa se desapegar, aceitar o fim, cruelmente decidido pois a vida tem vontade própria.
Daí você tem que converter todo o amor e a convivência em frieza, esquecimento, distanciamento e desapego. Maldito desapego! Pois não é uma escolha só sua, especialmente quando você espera por milagres ou por uma atitude heroica, tão improvável quanto uma possível delicadeza no fim. O corte, rasgado e desfiado, é cruel, para todos os lados. Mas pra gente (eu, você, um dos lados) sempre parece pior - pra gente sempre é mais duro e insuportável.
Daí você é obrigado a pensar "usando a cabeça", a ser racional e medir o quanto ainda era feliz. E por mais amor que houvesse, por maior que seja o amor que ainda existe, você imbecilmente tem que aceitar que nem tudo está nas suas mãos. Desapegar enquanto ainda há amor - um suplício! E aí aceite que pessoas incompatíveis se cruzam, infelizmente, e se apegam, ainda "mais" infelizmente. Só que quando o corte é necessário, não adianta você ouvir: te avisei, falei que vocês eram muito diferentes, você precisa de alguém "assim-assado", bla bla bla.
"Assim-assado" o cacete. Desde quando a gente escolhe quem ama? Desde quando a gente escolhe por quem se apaixona? Quem dera eu pudesse dizer quais seriam as habilidades, qualidades e atitudes que espero do cara perfeito, e melhor ainda se pudesse pedir um currículo sentimental. "Sim, eu espero que seja um cara sincero, carinhoso (inclua bom de cama), bonito o suficiente, companheiro, inteligente, que gosta de viajar, que seja maduro, que me aceite como sou e que, se der, tenha dinheiro o suficiente para os nossos sonhos." Tá fácil, hein? Não sei você, mas nunca entrevistei alguém por quem me apaixonei.
E olha que fui a rainha dos amores platônicos nos meus velhos tempos, daquelas que transformavam sapo em príncipe da noite pro dia, mas ainda assim, entendia que era alguém digno da minha devoção. Quando me apaixonei, eu entrevistei olhares, sorrisos e piadas bobas. Fui fisgada pelo dia a dia, pelo beijo, pelo carinho. Fui cedendo à medida que me sentia mais segura e mais correspondida. E pior: sempre achei que eu era entendida, que eu era aceita assim, cheia de "trecos" esquisitos e mal acabados.
Mas no fim, aquilo que se entendia como aceitação, de repente se transformou numa grande sombra, num fantasma, nunca percebido. Você descobre no final que o "mundo do outro" esperava outra coisa de você e aí bate aquela frustração. "Assim-assado" o cacete. Cortar o laço, desligar o outro da sua vida, voltar a se sentir sozinha, desapegar daquilo que já era parte de você - é cruel. Por mais que você tenha vários motivos para entender que as coisas não iam bem, que as incompatibilidades ferraram com tudo, quem é que "programa o coração pra deixar de amar"?
Poucas vezes tive que "cortar" ou apagar pessoas da minha vida. E vou te falar: não tem nada mais difícil pra mim... Porque quando permito que alguém faça parte da minha vida, eu me entrego por completo, seja como filha, amiga, irmã, namorada, pessoa. E daí é difícil a gente pegar de volta aquilo que a pessoa tomou emprestado da gente. É difícil trocar as partes antes permutadas, recobrar a sua integridade sem aquela parte do outro que você já tinha fagocitado. Como é cruel voltar a ser você nessa coisa de finitude, uma vez que você aprendeu a ser a pessoa de hoje em função de quem você escolheu ter por perto. 

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