16/11/2010

Redescobrindo...

Eu tenho um pé na Bahia. Aliás, só não tenho os dois pés lá porque ainda me resta um pingo de juízo. Pingo mínimo, por sinal – com chances eminentes de evaporação. A verdade é que aquela água quente, todo aquele calor espontâneo e todas as possibilidades naturalmente dispostas ao meu alcance me fazem muito bem. Bem que contamina cada poro do meu corpo, todos os meus neurônios ansiosos.


Afinal, por mais que tenhamos perdido várias horas no deslocamento, por mais que estivesse muito nublado quando chegamos ao entardecer, a Bahia sempre nos recebe carinhosamente. Gosto daquela terra de graça e mesmo o céu colorido do Rio Buranhem se revela como uma cerimônia de recepção a todos aqueles que, como eu, buscam um refúgio. Atravessamos de Porto Seguro, nosso ponto de chegada, até Arraial D´Ajuda, trajeto esse já bem conhecido por muitos brasileiros. Não avistei o Monte Pascoal, como outrora avistaram em nossas terras desconhecidas.


Andar pelo vilarejo à noite, especialmente fora de grandes temporadas, é uma oportunidade excelente de observar a cultura enraizada em cada detalhe. Seja uma influência européia, indígena ou africana, em Arraial nos certificamos que somos frutos de uma mistura inesperada, porém inquestionavelmente rica e poderosa. Na Rua Mucugê você encontra restaurantes de todo o tipo, pois Arraial também viveu um segundo descobrimento graças ao turismo – fomos invadidos! Não se assuste com a variedade de sotaques aportuguesados de argentinos, espanhóis, franceses, etc. Você descobre que está numa miniatura do mundo, viajando a cada 10 metros por realidades diferentes. Se quiser uma boa comida a quilo, procure pelo restaurante “Portinha”, no centro e próximo ao supermercado Cambuí. Se quiser uma moqueca bem em conta e farta, procure o restaurante Caminho da Praia, entre a Mucugê e a rua da igreja. Mas se quiser variar todos os dias, garanto que terá mais de um mês em opções para comer, de crepes e comida japonesa ou chorizo argentino... Encontre também a loja Terima Kasih, com artesanato oriental. Acredite, os preços de lá valem muito a pena, não se assuste com a imponência da loja. Entre, divirta-se e reze pra não enlouquecer. Se você gosta de todo tipo de artesanato (do indiano ao chinês), vai entrar em pânico. Se procurar bem, vai achar peças mais baratas do que os artesanatos locais na rua da igreja. Quando entrar na loja, você vai se lembrar de mim. Repare bem nos lagos com plantas ornamentais (incluindo vitória régia)... Ali cometi um crime ambiental que permitirá a reprodução de guppys baianos com guppys mineiros nascidos no meu apartamento... Não resisti! E todos sobrevivemos ao raio X do aeroporto, com direito a aquário novo para os 12 moradores “imigrados”.


A chuva não deu trégua no dia seguinte. Eis mais um “porém” sobre a Bahia: se não quer errar quanto ao clima, garanta-se em setembro e outubro. Nos demais meses você estará à mercê de um verão quente e úmido, é um risco. Mas acredite: até a chuva pode ser providencial. Topamos um passeio de quadriciclo rumo à praia do Taípe, encarando uma trilha tortuosa durante toda a manhã. Buracos, barro, água, chuva, pedras, pinguelas e marimbondos. Claro, sou a única pessoa que no primeiro dia consegue 5 picadas na cabeça por debaixo do capacete e uma nas costas, graças à minha sutil característica de sempre me meter em improbabilidades. Lembrando que não sei dirigir e que fui picada enquanto dirigia... Enfim, criei coragem e ainda não sei como não caí em nenhum momento, especialmente na pinguela cujo espaço era o exato para o quadriciclo se equilibrar. Tenho um carma com desastres, como já sabem... Mas sobrevivi e no final já estava zuando com a troca de marchas e correndo feito uma louca com minha mãe na garupa (ela se especializou em correr nas retas esburacadas).


O sol ressurgiu na manhã seguinte e aproveitamos para conhecer a Praia do Espelho, uma das mais bonitas do Brasil. Se alguém duvida disso, deve chegar à praia (que demanda um tempo na estrada) e se informar sobre o mirante “clandestino”. Vá antes que a maré o prenda entre as praias do Espelho e Curuípe. Surpreenda-se com uma visão maravilhosa, onde o horizonte se encontra com a Ponta do Corumbau (onde estive no ano passado). Enquanto esperava os nossos guias resgatarem minha mãe perdida ao tentar subir sozinha no mirante, decretei o direito de permanecer muda, estupefata com tantos tons de azul, lilás e verde num único e indivisível mar. Nas águas você sente as correntes frias e quentes alternando, confirmando os milagres da natureza. Ali eu também encontrei uma paisagem única, registrada em uma foto, onde o mar verde se contrapõe a uma nuvem densa, descolada do céu. Uma embarcação simples, ancorada, se intromete no cenário. Caminhe rumo ao rio Espelho, vai ter uma bela surpresa. Os preços são salgados, não se assuste.


À noite, um pulo na Ilha dos Aquários, ambiente típico de grandes festas durante a alta temporada. Mas como o próprio nome já diz, meu objetivo era outro. São 5 ambientes diversificados, de boate a solo de bossa nova, mas só queria mesmo era conhecer os tais aquários. Eram 6, com peixes imponentes, baiacus, arraias, enguias verdes e tubarões lixa. Paguei caro por pouco tempo apenas conhecendo os aquários, mas era só isso que eu realmente queria. Não viajei pra badalar, mas sim pra me dar uma folga das convenções sociais. E com direito a foto sendo carregada por um pirata...


Diariamente confirmávamos a direção do vento para programarmos os mergulhos e o pulo de parapente. Já antecipo que mais uma vez o parapente ficou para uma outra oportunidade. As terminas não atenderam aos nossos pedidos e perdemos a oportunidade de saltar das falésias da praia de Pitinga. Mas agendei o mergulho e navegamos com o mar batendo muito. Mas como diria o comandante, acho que sou mesmo do mar, pois não havia enjôo mesmo enquanto eu estava na proa encarando as ondas e a água revirada. Claro, nem todos têm essa mesma sorte. Desci rumo à minha promessa anual, mas o mar revirado me passou um trote. Vi mais areia do que todo o resto que o mar esconde. Vi pouco do que eu esperava ver, ou melhor, do que sempre espero ver a cada batismo (afinal, sou mesmo cara de pau e não fiz até hoje um curso digno como mergulhadora autônoma). À tarde, me contentei com as ondas da praia do Apaga Fogo, no quintal da nossa pousada.


Trancoso... Fácil de chegar, não se prenda aos guias turísticos. Apenas se informe sobre os horários em que as vans vão e voltam, especialmente aos domingos, cujo horário de transporte é reduzido. Conheça o Quadrado, resista às lojas e boutiques. O melhor mesmo é a vista da praia dos Nativos e dos Coqueiros. Se tiver tempo, ande pelas duas. Passamos o dia na praia dos Coqueiros, incluindo visões da prática de “kitesurf”. Afinal, o vento do parapente não chegou, mas era suficiente para esta modalidade... Que raiva! A praia é linda, principalmente se você topar andar pra bem longe das barracas... Caminhe rumo ao sul, rumo a Corumbau, e encontre praias com ondas boas para o surf. Um aviso: é uma praia cheia de corais e pedras, portanto, graças ao meu carma, não curti tanto o mar para me prevenir de alguns acidentes. Delicie-se com um belo peixe vermelho, típico da região. Os preços são bem parecidos com os das barracas em Arraial. Antes de partir, separe um tempo para curtir os mangues da região.


Por que tudo que é bom dura pouco? Além disso, como eu poderia ir embora tão contrariada com meu mergulho? Precisava das bênçãos do mar e por isso embarquei de novo, dessa vez no Miss Aritta, sem minha mãe e já conhecida da tripulação. O mar batia bem menos a caminho dos Recifes de Fora. Eu me sentia velha conhecida da equipe de mergulho, sendo confundida pelos demais turistas como membro da equipe porque eu vestia a camisa da operadora. Caí na água por último, com direito a mais um tempo submersa. Lagostas, frades azuis e cinzas, cirurgiões, donzelinhas, corais e um mero! Finalmente satisfeita, sentimento de promessa cumprida. Perdoei o primeiro mergulho e aliviei a tensão de ir embora para casa sem de fato me reencontrar.


Já dizia o gênio: uma mente que se abre nunca mais retorna ao tamanho inicial. A cada viagem volto mais rebelde, mais inquieta, com mais vontade de estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Não sou onipresente, caro amigo baiano... Mas tenho uma bela vocação!


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