11/04/2011

Salve, Realengo!

Tenho medo de todas as convicções que se acreditam inquestionáveis. Tenho medo de todas as crenças que não enxergam semelhanças nas demais crendices, respeitando um sentimento comum. Tenho medo dos que não dizem o que pensam, mas permitem que cresçam raízes de um ódio com fundamentos demais. Nada justifica, nada consola.


Tenho ainda mais medo de quem diz que seu ato é em nome de uma vingança supostamente divina, orientada por sua desumanidade. O nome disso não é fé – o nome disso é maldade. Não concordo que o passado sofrido dele explica seus atos, explica seu ódio, explica seu ato desesperado. Não venha me dizer que foi criado por uma família ausente, nem me dizer que foi ridicularizado nos tempos de escola porque era tímido. Não venha me dizer que ele era filho de uma mãe que o abandonou, além de ter problemas psicológicos.


Quantas pessoas você conhece e que já sofreram bullying nos tempos de escola? Prazer, meu nome é Ana Carolina. Daí me desculpem os "misericordiosos": não venham me dizer que o coitadinho sofreu demais... Claro que em níveis suportáveis, mas na sensível realidade de uma adolescente, qualquer crítica às canelas finas, ao nariz grande ou um apelido como “Banana” poderia ter me intimidado. Justificaria se hoje eu matasse todos engasgados com uma banana? (risos nervosos) Não, nada justifica. É uma questão de caráter, de índole.


Quantas pessoas você conhece e que já foram abandonadas por seus pais, ou foram maltratadas por parentes próximos, ou já foram discriminados por algum motivo: cor, classe social ou beleza? Você conhece muitas pessoas assim, eu te garanto. Nem todas assumem isso, nem todas insistem em carregar esse fardo com rancor. Prazer, meu nome é Ana Carolina, só aos 28 anos provavelmente terei algum tipo de relacionamento com meu pai. Justificaria se hoje eu me vingasse das coisas da vida, atirando em todos os homens magros, narigudos e de bigode? Não, nada justifica. É uma questão de saber perdoar, de seguir em frente.


Quantas pessoas você conhece e que nasceram em condições financeiras difíceis, que já comeram muita ponta de salame pra matar a fome, que já enfrentaram a fila da LBV para ganhar o leite para a mais nova integrante da família? Quantas pessoas você conhece e que viram o pai ser preso como um “bicheiro”, que tiveram a bicicleta tomada pela loja ou que te disseram que ainda não podia comprar os remédios, pois eram caros demais? Eu garanto. Você conhece dezenas de pessoas que escondem esse passado com seu sucesso atual, mas que um dia já comeram o pão que o diabo amassou e nem por isso mandaram bala em todos os vagabundos viciados em jogo sentados em um bar qualquer. É uma questão de superar, de rir da parte ruim da história.


A única constatação que me permito é que existe o Mal, lá fora, à espreita. Deixe uma brecha e ele entra, te transforma, te transtorna. Nosso dever, como crentes no que quer que seja (Deus, Alá, Iemanjá, Obama, JK, São José do Palitinho, Saci Pererê, Padim Ciço, etc), é vigiar, pois estamos todos à mercê da maldade que sempre espera encontrar uma porta sem chaves ou uma janela sem grades. Diria o sociólogo, que nosso juízo é quem controla nosso instinto, que isso garante a manutenção da sociedade. Eu diria que o que nos mantém em paz com o próximo é o nosso próprio medo de permitir que a raiva tome conta. Salve, Realengo. Que um dia reencontrem a paz.

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