09/12/2010

Desabafos de um Barranco

Não sei aí, mas aqui é chique morar no barranco. Como outro dia ouvi no ônibus (incluindo os erros de português): “Num sei que mania é essa de rico que insiste em morar nus barranco. Os prédio fica tudo dependurado, esperanu pra cair, enquanto pobre só qué morá numa rua reta”. O barranco é chique em Belo Horizonte. Se você mora numa rua dessas que sobe sem fim, ora, você é quase da nata, mesmo que seja só um emergente. Ou você mora num bairro tradicional, daqueles construídos nas ladeiras do “Curral”. Ou você mora num bairro novo, espaço ocupado pela pressão demográfica e comercial. Ou você mora lá, no Mangabeiras, onde reinaram muitos poderosos políticos.

Mas eis que o barranco é mais uma dessas sutilezas que a gente só percebe quando volta pra casa, debaixo de uma chuva daquelas. Haja enxurrada! De ontem sai tanto lixo, tanta água, tanto bueiro com a tampa virada? Quantos carros brotam e engarrafam o trânsito, quantos não passam correndo jogando água em que está lá, esperando pra atravessar e subir o barranco? Não adianta, se você é “belzontino” ou migrou pra cá, não há como escapar de um bom banho de chuva. Mas pense positivo: melhor se molhar quando está chegando na sua casa e torcer para que a energia não falte durante seu banho quente.

Mas tem barranco que não tem solução. Não falo do barranco paulista que ontem engoliu algumas casas numa zona de risco. Não falo de pousadas que a terra carregou numa colina de uma bonita praia carioca, levando uma mineira acostumada com os barrancos daqui. Não falo de outros tantos deslizamentos e deslizes da vida rotineira de milhares de brasileiros. Falo dos barrancos que nós escolhemos, dos barrancos pelos quais pagamos por opção. Afinal, você muitas vezes topa viver num barranco - nem sempre é obrigado a isso.

Tem dias que estou no alto do morro, esperando pra deslizar abaixo. Esperando a água me empurrar, mesmo que eu não saiba onde tudo vai acabar. É um risco, todo santo dia, esperando a minha própria geografia mudar. Só sei todo planalto sonha ser planície, e vice-versa. Mas não dá pra evitar o frio na barriga, o medo de afogar numa poça de 3 cm, o risco de enfiar um pé no bueiro... Texto desconexo, eu sei, mas não consegui evitar este pensamento, que reflete a sutileza de um cotidiano tão dispare. Enquanto uns optam por morar no barranco, outros são levados pelo morro. Não sei se fico com a igualdade pura ou com a desigualdade irônica...

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