26/07/2010

Biografia Esmiuçada

Cenas de cinema permitem uma expressão palpável de meus defeitos, qualidades e outros pormenores. Fiquei esperando alguém se manifestar e dizer se nota alguma semelhança com um poderoso chefão, ou com um príncipe da Pérsia, ou com um astronauta numa odisséia. Mas não ouvi nenhum pio na imensidão desta rede que nos conecta, mesmo com uma profundidade questionável diante das possibilidades que o cara-a-cara oferece.

Hoje sou feita de livros, tanto por aqueles que li, como por aqueles que ainda estão à espreita, como por aqueles que escrevi e escondi num velho baú de lembranças. Talvez hoje eu seja mais bem representada exatamente por aqueles livros que não escrevi, e que provavelmente nunca escreverei. Eis alguns que são marcos na minha memória, fora de ordem cronológica, exatamente para confundir a ordem da minha formação como leitora.

A Fonte dos Desejos dos Wuzzles: Acredite, o primeiro livro que comprei, quando ainda era criança, falava de um elefante que podia voar, dentre outros sonhos malucos deste tipo. Eleru... Eu e meus velhos elefantes... Do amigo invisível cor de rosa que eu escondia numa caixa de fósforos e que me garantiu a publicação numa agenda da Editora da Tribo... Ao meu feito de possuir uma foto em cima de um elefante. Claro, isso pra você pode ser insignificante, mas acredite: se apenas ao ler você já soltou um risinho no canto da boca, não sabe a diversão que reside nas pequenas coisas e nos mínimos desejos realizados, com ou sem uma fonte mágica.


Pra quem nunca ouvir falar do Eleru...


O Lobo da Estepe, de Hermann Hesse: Se eu posso dizer que um livro me mudou como pessoa, numa fase especialmente confusa de minha vida (aos 16 anos), eis o tal. Um rebelde quase sem causa, lutando contra si mesmo. “Uma vida fácil, um amor fácil, uma morte fácil – tais coisas não eram para mim”. Assim eu pensava aos 16, criando meus mundos intermediários, melancólica como os ídolos que hoje ganham fama em lutas de vampiros e lobos. Mas eu era aquele lobo, aquele velho rabugento. “Que havia sido de mim, que tivera as asas da juventude e da poesia, o amigo das musas, o viajante do mundo, o ardente idealista?” Sem mais.

Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley: Você aí, que se sente um fantoche... Que não sabe se o futuro realmente está em suas mãos ou se você está simplesmente sendo manipulado, no estilo “Matrix”! Talvez mais uma forma de me agarrar à idéia de que a liberdade existe e que não somos peças num teatro social. Além de outros questionamentos... “(...) o sentimento religioso tende a desenvolver-se quando envelhecemos; tende a desenvolver-se porque, à medida que as paixões se acalmam, que a fantasia e a sensibilidade vão sendo menos excitadas e menos excitáveis, a razão é menos perturbada em seu exercício, menos obscurecida pelas imagens, desejos e distrações que absorviam; então, Deus emerge como se tivesse saído de trás de uma nuvem (...)” Mais uma vez, sem mais.

A Arte da Felicidade, Dalai Lama e Howard Cutler: Um dos livros que mais sofri para terminar de ler. Aquela sensação constante de ler um parágrafo e imediatamente sentir um remorso, ou mudar uma atitude, ou repensar um gesto. Nada tão facilmente digerido como o sorriso leve estampado na capa. “A ansiedade e a preocupação excessivas podem, como a raiva e o ódio, ter efeitos devastadores na mente e no corpo, tornando-se fonte de muito sofrimento emocional e até mesmo enfermidades físicas.” Ensinamentos de compaixão, aceitação e simplicidade – um choque para minha idéia egoísta de mundo, como se só eu pudesse sofrer naquela intensidade. Eis que os sentimentos somatizam sintomas, ou seja, nada como buscar a felicidade para se viver melhor.

Mulher Solteira Procura Homem Impotente para Relacionamento Sério, de Gaby Hauptmann: Se posso dar um conselho ao mulherio que ainda cria príncipes, aqui está. Nada melhor do que uma boa história, com a cara da mulher moderna, para te prender e nem por isso arrasar suas esperanças que um dia você pode ser premiada. Lembro-me como se fosse hoje: virei a noite, durante o período da faculdade, para ler o livro, presente de um amigo. Pena que naquela época eu ainda rabiscava tão pouco meus livros... Mas não me impediu de logo em seguida ler “Homem Bom é Homem Morto”, da mesma autora. O título feminista não deve te assustar!

Contato, de Carl Sagan: Não bastava o filme – precisava ler o bendito, direto de quem o inventou. Acho que nada jamais conseguiu se aproximar do meu conceito de fé como as idéias deste livro. Fé no divino e no humano. Uma pergunta constante sobre a existência de Deus e vida em outros planetas, o questionamento de uma ilusão coletiva e uma ciência suspeita, mas uma frase definitiva: Se o universo está todo vazio, isso sim é um tremendo desperdício. Não posso negar que todas as naves espaciais que construí nos meus quintais e no terraço do prédio me prenderam à possibilidade de uma grande descoberta, como as que Arthur Clarke acredita que serão feitas quando pesquisarmos os mares de Europa, a lua de Júpiter. Por este mesmo motivo, acabei me deparando com “Bilhões e Bilhões”, do mesmo autor.

Outra Vez, por Ernesto Che Guevara: Não tenho nem um traço de guerrilheira, mas sofri com a asma durante anos e aos 14 quis ser médica. A vontade passou logo, pois outros dois desejos me moviam ardentemente – a oceanografia e as viagens pelo mundo. Obviamente neste livro me deparei com o segundo traço de minha personalidade, que carregarei por toda a vida. Nem tudo era política ou revolução para Che nesta fase de sua vida e através dele viajei por toda a América Latina que tanto me atrai. História, gente, cultura, natureza. Resultado: Desde então tracei todos os meus planos de viagem para os próximos 20 anos, mesmo que eu não consiga realizar todos. Além disso, passei a carregar qualquer coisa de Che quando viajo, talvez numa superstição idiota, mas para mim é como um ritual de comemoração. Em Chichen Itza, onde Che também esteve, eu estive e pisei nas terras de maias e astecas. Em Buenos Aires, onde Che viveu alguns bons anos, eu também estive. Ainda faltam muitos lugares... Sem guerrilhas.

Em Busca do Sonho, de Heloisa Schürmann: Como se não bastassem as viagens de Che, eis um livro onde o mar representa uma opção de vida. Uma viagem feita por uma família contemporânea, com meios reais e planejáveis. Não, não pretendo velejar assim... Mas este livro me rendeu outras tantas opções de destino para toda uma vida. Não sei, porém, se terei tanto tempo assim. O mundo ainda é grande demais para o meu bolso, apesar de ser miúdo nos meus pensamentos. Escrevi uma carta para a família Schürmann, concorrendo a uma vaga temporária no veleiro. Não era um e-mail. Nunca recebi resposta. O jeito é ir com meus próprios pés e sonhos. Quem sabe eu também não encontre uma fonte dos desejos e possa desfrutar de algumas asas temporárias? Vou alternando entre as previsões de grandes pensadores e aventuras rumo à Ilha Maurício...


Abeleão, Hipocó, Rinocaco... Etc!

23/07/2010

Vida de Cinema

Vários filmes falam sobre mim. Não sou uma personagem histórica, nem famosa na atualidade, muito menos rica e poderosa. Não sou filha de nenhum magnata, não estou casada com um chefe de governo, não sou capa de nenhuma revista. Não sou atriz, muito menos escritora reconhecida, quiçá uma cantora ou pianista. Não sou uma líder espiritual, nem uma pessoa que tem o dom de mudar a vida das pessoas. Mas, ainda assim, vários filmes falam sobre mim.

Doce Novembro: Aquele sonho da paixão momentânea, porém intensa. Com a sombra de uma saúde frágil rondando um “sonho de verão”. Se tenho um lado romântico, está ali naquele um mês de sentimento verdadeiro e despreocupado.

A Casa do Lago: Eu posso muito bem me apaixonar à distância, maior ainda a chance quando se é através de cartas bem escritas, numa cumplicidade que não segue a linha do tempo real. Viver da esperança da caixa de correio, de um amor atemporal, surreal e sincero. Sim, eu poderia muito bem acreditar nisso. Afinal, já suspirei por tantas cartas, e-mails e declarações inusitadas...

Constantine: Tenho vários demônios pessoais e tento exorcizá-los todo santo dia. Não sou uma caçadora experiente, mas enfrento todos os dias o meu carma, chame como quiser: destino, rumo, prumo, acaso, caminho. Acredite: meus demônios não são tão feios, mas o pânico é tão grande quanto.

Vanilla Sky: Ah, a imortalidade! Desejo infame, gula humana! Controlar sua vida, colher só a parte boa, apagar o que não vale a pena, ter a chance de viver outra vida, mesmo que não seja real. Quem nunca quis isso? Quem não faz isso a cada login no Facebook, ou a cada post anônimo num blog? Quanto você pagaria para reviver? Mas o quanto isso te perturbaria em sua vida “naturalmente mortal”?

Contato: Inegável a minha semelhança com a pequena que se transforma em astrônoma. Em constante questionamento, descrente dos sentimentos humanos, criando desapegos para se proteger - sou como aquela garotinha olhando pelo telescópio e como aquela mulher que muitas vezes foge do que sente. E quando tudo de que duvida repentinamente se mostra possível, repentinamente a vida se torna inexplicável, pois a fé escapa à compreensão da razão.

O Fabuloso Destino de Amelie Poulain: Ora, se não sou eu? Aquela mania de endireitar as coisas, de pensar em detalhes, de criar armadilhas para fazer as coisas do meu jeito. Não fotografei um ano de jardim pelo mundo, mas bem que eu fotografei vários lugares e criei um e-mail anônimo para espalhar as imagens que fiz. Levei um “fora” da minha própria mãe, sem ela notar que eu só queria minimizar a solidão. Amelie em suas cores intensas e planos quase lúdicos – sou eu todo bendito dia, tentando reinventar a graça.

Em Busca da Terra do Nunca – O pequeno garoto fechado, que não se permite imaginar, criar e extravasar. Do outro lado, o escritor quase frustrado em busca de sua obra perfeita, de seu grande feito. E não sou eu nas duas faces da moeda? Aquela sensação contínua de que ainda não realizei um grande feito e esperando o estímulo certo pra finalmente criar a minha grande “obra pessoal”. Quando vi o filme pela primeira vez, entrei no ônibus aos prantos. O trocador, preocupado, perguntou se eu precisava de ajuda. Ajuda? Sim, mas não era ele quem podia me ajudar.

Um Sonho de Liberdade: Queria eu ter uma perseverança inabalável, uma paciência tão firme e ponderada. Eis que este filme mostra exatamente o que me falta: mais insistência, mais fé, mais planejamento e constância. Talvez também a bendita parcimônia, que seria típica de uma virginiana. No entanto meu ascendente me derruba e meu lado “peixes” elimina qualquer possibilidade de razão sóbria.

Orgulho e Preconceito: Orgulho? Imagina! Além de teimosa, sou extremamente arrogante quando acho que estou certa. Sempre convicta do que penso, chego a “emburrecer” sempre olhando só o meu lado. Não desisto fácil dos meus argumentos quando realmente acredito neles. Dar o braço a torcer e ceder? A questão é que sempre que apostei alto demais, também me decepcionei mais.

Cantando na Chuva: Preciso dizer por que me sinto semelhante ao bom e velho dançarino que rodopia na chuva? Tem dia que é essa a vontade que tenho: de me enfiar debaixo da chuva, de entrar de roupa no mar, de escorregar na grama, de deixar de lado qualquer convenção chata dessa idade adulta.

A Corrente do Bem: Óbvio e inspirador. Talvez uma ponta daquela vontade de fazer uma grande “obra”, de conseguir mudar um pedacinho do mundo, de criar uma seqüência de eventos que promova a felicidade e nos transforme em seres mais humanos. Sim, daí veio o movimento, numa tentativa de fazer o meu mundo um lugar melhor pra se viver. E ver o movimento criar “pernas” para seguir sozinho, apenas com a certeza e orgulho de ter desencadeado o bem.

Procurando Nemo: Hahaha! Dori? Claro! Nem ouse pensar que tenho o estilo do pequeno Nemo entrando em filtros de aquário, muito menos sou um “pai” desesperado. Sou a Dori, puramente. Memória fraca para fatos ruins, mas fiel aos meus amigos. Perguntadeira, tagarela, língua solta, mas disposta a ser um pouco melhor quase sempre. E o mar, claro, o mar... A corrente marítima... Como eu queria ser uma daquelas tartarugas quase ripongas!

Enfim, poderia aqui citar outros tantos, mas estes são alguns dentre aqueles que estão na minha sala, adquiridos para sempre... Versões originais, na esperança de que a tecnologia do DVD jamais vai me deixar na mão. Dispostos a sempre tocar no player quando eu bem entender, pra assistir várias vezes sem remorso! E o melhor: em cada um reencontrar um pedaço de mim... Refrescando a memória e promovendo estalos sobre quem realmente sou.


20/07/2010

Vô Chico

"Vô, o que que tem do lado de lá?"


"Ainda bem que os ipês amarelos estavam floridos..."

89 ou 91? Depende...

Agradecimentos ao Nilson Denadai e Alex por estas charges extremamente fiéis...

18/07/2010

Inquietação Shackletoniana


“O problema é que acabo voltando à minha inquietação, achando que minha vida é ridícula demais diante das grandes possibilidades que o mundo promete... Mas o que eu posso fazer, sem ser irresponsável? (...) Só sei que a sensação de ausência de uma grande aventura sempre vai inquietar minha alma, como se eu tivesse perdido a minha chance”. Registrado por mim na última página do livro “Endurance, a lendária expedição de Shackleton à Antártida”.

Em dois míseros dias, com intervalos para dormir, sair e comer, porém sem a televisão ligada, comecei e terminei a leitura deste livro, que pechinchei de um amigo. Precisava retomar meu hábito de leitura e neste fim de semana criei vergonha nessa minha cara lavada. O problema é que ler sobre uma viagem surreal sempre causa efeitos colaterais em uma oceanógrafa frustrada como eu. Eis o motivo do comentário acima, feito assim que terminei de ler o livro, o qual não necessariamente tem um final feliz.

Depois de passar por momentos inquestionavelmente insuportáveis, Ernest Shackleton (esse de suspensórios na foto) escreveu para sua mulher em 1919: “Às vezes acho que não sirvo para nada além de viajar para lugares bem distantes e desertos, só com um grupo de homens”. Não estou falando da boca pra fora – é uma constatação. Mas há muito tempo eu não desenterrava essa pergunta bem lá do fundo: O que vou fazer de grandioso na minha vida? Não tenho um plano e, entrando no meu inferno astral, sinto esse fantasma rondar mais uma vez as certezas que tenho hoje.

O livro fala de um grupo escolhido a dedo para realizar uma proeza jamais feita por algum outro homem, concretizando uma travessia transcontinental na Antártida. Mas chegar até lá já era um grande desafio, cortando bancos de gelo, encarando um frio doloroso, vivendo uma rotina rígida e com um cardápio monótono. A todo tempo os homens são postos à prova em nome de um objetivo maior, porém sempre comandados por um líder humano. Segundo a autora, Carolina Alexander (curadora de uma exposição sobre o Endurance), Shackleton acreditava “que os indivíduos comuns eram capazes de façanhas heróicas se as circunstâncias o exigissem; os fracos e os fortes podiam e precisavam sobreviver juntos”. Era um líder que enobrecia sua equipe, extraindo “de seus homens uma força e uma resistência que eles jamais imaginaram possuir”.

Além de toda a devoção ao seu objetivo, eis que o verdadeiro líder se descortina. Calmo, simples, perseverante, otimista e preocupado com cada homem de sua equipe. Um dos tripulantes menciona seus cuidados, como se Shackleton medisse ele mesmo os pulsos de cada um para garantir que estavam vivos, mesmo sem que eles notassem e assim não ficassem nervosos com a possibilidade da morte. O Endurance naufragou e rumaram em três barcos menores a um destino incerto. Vendavais, nevascas, privações, roupas molhadas e congeladas - tudo arquitetava um cenário infernal num mundo branco e azul feito de gelo. Da Ilha Elephant à Geórgia do Sul, o impossível se firmou como seu maior feito. Durante todo aquele tempo, o mundo viveu a primeira grande guerra mundial, mas aqueles homens travavam suas próprias lutas pela sobrevivência na natureza hostil de um território inóspito.

Quando retornaram à realidade, alguns conseguiram retomar suas vidas, outros se sentiram vazios e outros resmungaram sobre como “o tempo era ruim em Londres”. Para quem viveu 30 graus abaixo de zero, isso era realmente desconcertante. Muitos trabalharam para contar a história desta expedição, outros tantos viveram tentando repetir aquela sensação. Aquele sofrimento enorme já nem lhe parecia tão intenso diante da grandiosidade do feito. Todos sobreviveram, mesmo aquele tripulante que entrou clandestino no Endurance e acabou com os dedos de um pé amputados. Segundo consta, ele jamais reclamou dos dedos que lhe faltaram até o resto de sua vida. Muitos, no entanto, sempre se sentiram péssimos pelos sacrifícios feitos: fossem dos cães que atrasavam a viagem de sobrevivência, fossem das focas e pingüins que lhes permitiam a luta contra a fome, fosse do gato do carpinteiro.

Na viagem havia um australiano chamado Frank Hurley, com quem talvez eu me identifique (o outro personagem na imagem). Meio egocêntrico, otimista, esforçado e até idealizador de algumas engenhocas que possibilitaram algum conforto durante a aventura. Aos olhos de Shackleton, talvez uma ameaça à sua liderança, apesar de Frank sempre registrar em seus diários sua enorme admiração por Ernest como um líder. Mas especialmente por ser alguém que se arriscava pela fotografia que melhor expressasse o sentimento de cada momento, sempre pensando em como garantir que aquela história seria devidamente representada posteriormente. Imagens belíssimas, que depois ele também burlaria em nome da propaganda necessária aos seus negócios. Hurley contou através de suas imagens exatamente aquilo que nossa imaginação elabora a cada momento em que adentramos no livro.

Sempre que viajo em minhas humildes aventuras “cevecenianas”, já volto para casa com saudade do que vivi. Como se um pedaço de mim ficasse em cada canto em que estive, como se eu criasse um vínculo com aquele lugar e com cada episódio. Assim como Hurley, também acredito que uma imagem pode falar muito mais que mil palavras e estou sempre com a câmera em punho. Retrato minhas pequenitudes e já as vejo como enormidades! Imagine só um navio sendo engolido pelo gelo, ou a primeira imagem de uma terra onde a humanidade nunca esteve. Era como pisar na Lua, fato histórico que poucos tripulantes acompanharam em suas idades avançadas. Qual será então a sensação de deixar um lugar onde cada um morreu e renasceu todo maldito dia, todos movidos pela perseverança numa epopéia heróica? Naquelas circunstâncias, todos eram simplesmente imortais.

16/07/2010

Você, um ser social

Vivemos à mercê dos nossos círculos sociais. Alguns herdados, outros conquistados, alguns quase cármicos. Estamos constantemente buscando raízes, semelhanças e reconhecimento no próximo. Algo que nos identifique como parte de um grupo, como lobo na alcatéia, como fatia do todo. Essa necessidade constante de estar sempre rodeado por quem escolhemos, especialmente. Uma carência típica do animal humano - aquele que precisa do outro para se auto-afirmar e para se diferenciar. Somos o que somos graças aos detalhes, o que inclui as relações que estabelecemos. Eu sempre fui loba da estepe, como diria Hermann Hesse...

A diferença mora exatamente na escolha. Quando não escolhemos e somos escolhidos, temos duas alternativas: ou nos movemos para procurar o grupo certo ou nos moldamos àquilo que antes não admirávamos. Se nos congelamos diante da pressão para sermos parte de um grupo dito como ideal, porém completamente inadequado aos nossos desejos, tendemos a perder nossa essência básica. Somos então moldados por pressões do meio, do convívio e dos paradigmas que contrariam nossa vontade primordial: a liberdade. A velha máxima daquele sociólogo e que nos irrita: “O homem é produto do meio”... Preconceito ou constatação?

Vivemos hoje num grande circo de pressupostos sociais, sempre nos tachando indevidamente, de acordo com modelos de vida previamente estabelecidos como perfeitos ou supostamente “normais”. Eis a pergunta: quem insiste em não olhar a história humana e permanece sem entender que tudo é perene e se transforma? Se um modelo de vida, de relação ou de atitude um dia foi revolucionário, hoje pode ser básico e um dia se tornar arcaico. Pois a sociedade muda à medida que o homem almeja um novo território ou um novo sentimento. E relacionar-se é fundamentalmente uma nova experiência “constante”.

Portanto, não se prenda a pensamentos pré-definidos, a regras sociais que ditam moda, parâmetros, profissões, idéias e ideologias. É fundamental ser autêntico para que você nunca se arrependa por ser uma “Maria vai com as outras”, nem um “Zé Ninguém” ou o famoso “Zero à esquerda”. Se você não lutar para definir seu próprio caminho, para se firmar como pessoa única e particular, para selecionar as pessoas que te cercam, você acabará escolhido como uma peça qualquer numa loja de departamento: mais um, mais um! Fotografia de prateleira? Boneca inflável? Bijouteria?

Não somos fabricados em série. Encontramos semelhanças a todo instante, mas somos ainda “mais” quanto ao teor de individualidades. Você pode ter um universo infinito de amigos e conhecidos. Você pode gostar de rock e música clássica ao mesmo tempo. Você não precisa seguir a tendência capitalista, nem ter o carro do ano, muito menos estar sempre cumprindo com padrões comportamentais que não te competem. Aldous Huxley, em “Admirável Mundo Novo” (Primeira edição em 1941), sabiamente escreveu:

“Porque era preciso, naturalmente, que tivessem alguma idéia de conjunto para poderem fazer seu trabalho inteligentemente. (...) Porque os detalhes, como se sabe, conduzem à virtude e à felicidade; as generalidades são males intelectualmente necessários. Não só os filósofos, mas sim os colecionadores de selos e marceneiros amadores que constituem a espinha dorsal da sociedade.”


Quem é você dentre os seus iguais?

Aldous Huxley - 1894/1963

Texto encomendado por Mariana Sarno

15/07/2010

Avó outra vez


Ontem encontrei mais um filhote no meu aquário. Em homenagem ao episódio, segue uma cópia do comunicado de 12/05, feito por e-mail. Apenas para ilustrar os lances cômicos que acontecem nesse mundo animal(esco).


Sou bisavó!

Há uns 6 meses meus guppys procriaram. Quem se lembra da saga? Um domingo inteirinho vigiando o aquário. Resultado? 31 filhotes da mesma mãe. Claro, o bendito do pai nem deu bola, quem teve que socorrer fui eu - a avó! Duas semanas depois a mãe faleceu, muito fraca, tadinha. Cuidei dos meus netinhos e ainda adotei mais um que nasceu em Itaúna. 32 filhotes. O tempo passou, estão bonitinhos, uma parte considerável sobreviveu. Acho que uns 23 estão vivos. Claro, estatística de uma avó coruja. Alguns se desenvolveram mais. Sempre tem o mais forte e o mais fraco. Alguns parecem ter 2 meses ainda! Serão meus olhos de avó que insiste em achar que todo mundo tem cara de neto?

Enfim, pra mim eles são ainda adolescentes, no máximo 15 anos. Alguns com cara de 11 anos. Como avó, nem me preocupei com a educação sexual deles. Afinal, isso é coisa de pai e mãe, até mesmo da professora do colégio. Bem feito!!!! Ontem, meia-noite, olhei pro aquário e lá veio o susto! Um filhote!!! Meu Deus, quem é a piranhazinha da minha neta que deu cria? Quem é o puto que fez essa sacanagem? A menina nem foi pra faculdade! Não sei, não dá pra ter certeza. 3 são mais peitudinhas. 2 machinhos já são coloridos. Mas eu não vi naaaaaaadaaaa! Como isso aconteceu? Bem debaixo dos meus olhos! No meu próprio quarto???

Corri, peguei a maternidade, arranjei tudo pra deslocar o baby. Senão, ele ia levar pancada dos mais velhos. Ainda bem que comprei uma rede ultra fina... Quando achei o primeiro, não vi que havia um segundo! Enfim, agora sou bisavó de gêmeos, separados dos pais ao nascer. Quem sabe assim evito as más influências! Tomara que não sejam tão precoces quando a mãe e o pai, que por sinal são irmãos – meu Deus, um incesto no meu aquárioooo!!! O que será desse mundo pervertido e sem consciência?

14/07/2010

Só acontece comigo?

TEXTO CENSURADO...
Observação: Advogada, querida! Tôooo por cima! Kkkk
Quem vai descer pelo cano (ou tomar um) não seremos nós!

10/07/2010

Era uma vez...

Num reino “tão tão distante”, era uma vez. Era uma vez uma garota que antes se sentia sozinha constantemente, sem conseguir sobreviver somente com sua própria presença. Solitária em qualquer multidão, por mais que o mundo fosse muito maior do outro lado da rua. A garota se sentia sem prumo, sem leme, nem sequer uma bússola. Pulava tijolos dourados, numa terra de homens de lata, leões falantes e espantalhos estranhos. Sem contar com o elefante que voava com suas orelhas gigantes.

A garota tropeçou em muitos tijolos, de tamanhos variados. Não adiantaria plantar sementes de árvores mágicas, pois o céu não era certeza. Caiu em buracos e correu atrás de coelhos e ilusões, conhecendo a si mesma. Decifra-me, pois devoro-te, sempre dizia seu destino no sorriso de um gato capcioso. Afinal, quem mandou confiar numa lagarta azul e acreditar que todo mundo se transforma em borboleta?

Como miúda e crédula libélula que era, ainda tentou outros vôos. Asas transparentes, ainda com contornos frágeis ao vento. Alma translúcida, pois insetos não têm sangue. Faltava-lhe cor, pulso. Mas ainda havia uma esperança: o pote de ouro escondido em algum arco-íris. Restava procurar o arco certo, com as cores compatíveis com sua (trans)lucidez. Haveria naquela terra do nunca algum tipo de chance para uma mudança? Ou viveria com medo de um capitão sem mão e sem coração?

Crescer não era fácil, duvidar do próximo passo era sempre angustiante. Não que acreditasse em príncipes, muito menos em tranças para um resgate. Não esperava sequer por um sapo, mas ainda lhe faltava algo. Anos se passaram como se fossem séculos, até que uma cadeia de acontecimentos mudava sua rotina imperceptivelmente, porém definitivamente. A moldura não mais de uma Monalisa, mas de borboletas de um “salvador” movendo cata-ventos. Enfim, dali viria a sua salvação... Aqueles ventos tão esperados!


Quando percebeu, estava em sua torre, mas não presa. Não havia um encantamento que lhe fazia esperar por algo que viesse daquele mundo lá fora. Era dona de sua própria janela, escolhia seus próprios cometas e luas. O jardim só colhia rosas cativadas por pequenos príncipes diários: seus próprios sonhos. Colhia doces pelo caminho sem temer uma bruxa má, querendo cortar seus dedos. Encarando todos os dias uma floresta, sem lobo mau, sem maçã envenenada. Tudo podia ser mais simples e mais prazeiroso, sem receiros, sem preconceitos, sem espinhos.

Não era agora uma princesa, sequer uma fada, muito menos uma donzela singela. Era libélula reformada, sem querer ser borboleta apenas por suas cores, tão finitas como a transparência natural que já lhe cabia e não lhe pesava. Tudo era finito, não existem vampiros. Bastava seguir adiante, transformando passeios cinzentos em caminhos verdejantes e tão simples quanto necessário fosse. Acompanhada de burros falantes ou de gatos de botas? Não faria tanta diferença, pois agora ela bastava a si mesma. Qualquer um que se unisse ao seu percurso, sem expectativas desleais, era simplesmente mais um convidado para um grande baile. Mas não haveria um sapato na escada à meia-noite, certa de suas convicções e sem depender das vontades alheias.

Ela ainda não sabe o que lhe espera, nem mesmo naquele reino “tão tão distante” ou dentro de sua torre cuidadosamente adaptada ao seu umbigo. Aquela incerteza permanece, porém só do lado de fora. Por dentro agora é muito mais do que reflexo - era plenitude e dominância. Agora seguia sem anões, sem rainhas de copas, sem nenhum tipo de medo infundado. Só sabia que o caminho era longo, ainda infinito em sua aparente longevidade. Mesmo que cada dia fosse volátil como o brilho de uma fada minúscula, tudo se tornara mais leve quando se permitia viver como um garoto perdido, sem a cobrança de um dia ser gente grande. Um dia de cada vez, acompanhada das asas que realmente lhe cabem.


Obras de Salvador Dali