14/02/2011

Do Patinho ao Cisne

Cisne Negro é um filme desconfortável. Você se incomoda pelos mais diversos motivos. Incomoda e muito... Você se remexe na poltrona do cinema... Embola os pensamentos dentro da cachola... E você pensa... Na beleza da minúscula Natalie Portman, ganhando a cena com uma presença de gigante. Na dureza de uma vida dedicada a um ideal, tão mal recompensado às vezes. Nos limites do ser humano, sejam físicos ou psicológicos. Nos monstros que criamos, transformando nossos medos em estímulos para encarar a vida de frente. Na obsessão por superar a todos e a si mesmo.
Alguns trechos do filme te deixam sem fôlego. A polêmica vai do terror ao sensual. Como se todos os nervos da miúda Nina fossem testados para que ela deixasse de ser só um patinho feio e assumisse o posto de primeira bailaria do lago inteiro. Não é fácil encarar um novo papel na vida, por mais que você já saiba de cor como fazê-lo. Não basta saber, e como diria Nina, “é preciso sentir, pois só assim será perfeito”. Mas o preço que se paga por um sentimento tão pleno pode equivaler a um ingresso para a loucura.
Não há quem não tenha pensado em como a mãe da jovem bailarina se intromete demais. Ela vive sua vida através das realizações da filha. Ela se projeta nos sonhos de uma garota frágil, que se sente pressionada por todos os lados. Uma mãe que vive uma vida solitária, culpando sua filha por ter deixado tantas coisas de lado para criá-la. Assunto este que é bem rotineiro nos relacionamentos entre pais e filhos, pode apostar. Só que Nina não consegue lutar contra a invasão diária enquanto ainda está sã, ou pelo menos sã o suficiente. Até que um dia ela cria seu próprio mecanismo de privacidade, ainda que seja violento. Ela se fecha porque não teve espaço para se abrir, rumo a um caminho sem volta.
Não há quem não tenha sentido uma certa pena de Beth, a bailarina experiente que comprova a volatilidade da fama. O papel de estrela torna-se viciante, entorpece, confunde e atropela. Estranha coincidência com a própria vida da atriz, Wynona, que por sinal parece estar no formol há décadas. Ainda a vejo como a menina esquisita descendo as escadas, dançando, em os “Fantasmas se Divertem”. A posição neste ciclo de transtornos se alterna, quando Nina percebe que ela assume diferentes papéis quando se trata de Beth e quando se trata de Lily, a bailarina com asas nas costas.
Não há quem não sinta uma certa repugnância pelo assédio representado por Thomas, líder da trupe. Ele invade a vida de Nina em todos os aspectos, por mais que nas vias de fato não faça nada tão absurdo quanto realmente ele poderia. Ele sabia o quanto podia, afinal, uma artista frágil estava em suas mãos para se transformar em um grande cisne. Mas ele a faz pensar em tudo que ela suprimiu em sua vida ao longo dos anos de árduo esforço. Assim como em seu balé, ela permitiu que tudo fosse racional ou técnico demais, sem sentimento, sem liberdade, sem criatividade, sem leveza. Thomas não foi o mais sutil e delicado para trazer à tona o que Nina precisava enfrentar, mas ele conseguiu.
Não há quem não se imagine vivendo surtos esquizofrênicos, trombando com espelhos que têm vida própria, enxergando vultos pelos corredores, criando asas como um belo cisne negro, mutilando-se, acalentando seu medo ferindo aquele que lhe ameaça, fantasiando coisas que sempre escondeu de você mesmo. A ordem dos fatos apresentados te atordoa, confundindo os limites entre realidade e imaginação. Você se sente na posição de Nina, desesperada, amedrontada, pressionada e resignada, levando a execução do seu sonho ao seu máximo. Você não sabe e não entende, assim como Nina, mas consegue sentir compaixão pelo seu ato final, quando o esforço insuportável se transforma em arte.
Tenho certeza de que muitos saíram das salas de cinema espalhadas pelo mundo com olhares atônitos, sem ar, com os pés ainda procurando o chão. Alguns incomodados com as cenas e diálogos sobre sexo, alguns desacreditados após o final da história, cheio de “inexplicações”. Eu precisei de um tempo pra digerir o que senti. Só consegui chegar a uma conclusão: deixar de ser patinho feito pra se transformar em cisne não é tarefa para qualquer um. Se não respeitamos os nossos limites, entramos em crise à beira do abismo. Resta saber se você consegue sair da crise sem se tragado pelo nada que o espera no fundo do poço.

2 comentários:

  1. legal você colocar o link do blog lá no By You, assim pude conhecê-lo. Muito bom, queria conseguir expressar assim minhas opiniões sobre filmes. Adorei Cisne Negro, sinto que preciso ver mais 1, 2 vezes para conseguir sentir todos os seus sabores. Acho que como em "Requiém para um sonho", o diretor nos faz meio que mergulhar no que está passando o personagem, a gente sente a angústia da transformação.

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  2. Fui com expectativa muito elevada pra ver o filme. Acabou que achei bom!

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